quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A outra eleição

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 02/11/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Assim como o Brasil, o Uruguai passou por eleições nacionais no dia 26 de outubro, vivendo um momento de intensa movimentação política: enquanto aqui concluímos o processo eleitoral, no país vizinho foi realizado ainda o primeiro turno. Vários pontos em comum com a situação brasileira chamam a atenção, o que demanda uma análise cuidadosa do significado de tais coincidências políticas.
O candidato que obteve a maior votação no Uruguai, como no Brasil, contava com o apoio do governo: por ser vedada a reeleição, o líder governista é o ex-presidente Tabaré Vázquez, antecessor do atual mandatário. Dessa forma, não surpreende que, em ambos os países, um dos temas principais da campanha tenha sido o das acusações de uso da máquina pública para fins eleitorais.
A alternância de poder também foi assunto muito discutido na campanha uruguaia: a exemplo do PT brasileiro, a Frente Ampla representa uma coalizão de partidos de esquerda que comanda o Uruguai desde 2005, começando a ser questionada pelo esgotamento de sua plataforma de gestão. Sendo assim, um argumento que movimentou uruguaios e brasileiros foi a possibilidade de se imprimir um novo sentido à administração do país.
O desempenho econômico foi uma marca do debate eleitoral em ambos os países, que mesmo passando por situações distintas, tiveram seus eleitores tomados pelo receio de crise. Enquanto o Brasil enfrenta um quadro de recessão técnica em 2014, o Uruguai aproveita uma maré positiva como há muito não se via, que é creditada pela oposição unicamente ao bom momento do mercado mundial para os produtos do país platino. Em caso de mudança de conjuntura econômica, temia-se que a aliança esquerdista não conseguisse recuperar o crescimento, um argumento também muito utilizado contra Dilma Rousseff diante das perspectivas de 2015.
Com realização de segundo turno em 30 de novembro, as previsões eleitorais no Uruguai apontam um cenário parelho entre o candidato governista e o opositor Luis Lacalle Pou, que mesmo recebendo apoio do terceiro colocado, não supera o percentual estimado para Vázquez. Situação semelhante à do Brasil após o pleito de 5 de outubro, quando Marina Silva cerrou fileiras com Aécio Neves, evidenciando que em ambos os países, o descontentamento com a plataforma política vigente é considerável, envolvendo metade da população nacional.
As pequenas margens de diferença entre governo e oposição, tanto no Brasil quanto no Uruguai, podem ser interpretadas como desgaste da onda de governos esquerdistas que tomou a América do Sul na década de 2000. Captando o desejo por mudança, as oposições ganham espaço investindo sobre o envelhecimento da pauta de propostas dos governos de esquerda: democracias estáveis, como a brasileira e a uruguaia, têm se mostrado capazes de registrar a insatisfação popular através de seus sistemas representativos. Os resultados eleitorais de 2014, no Brasil e no Uruguai, podem indicar o início de uma nova tendência política para o continente, a se realizar em poucos anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário