domingo, 16 de agosto de 2015

O gatilho da pobreza

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 09/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Os dois atentados contra turistas na Tunísia, que esse ano totalizaram 59 vítimas fatais, chamam a atenção da imprensa mundial não apenas por seu custo humano, mas pelo histórico recente desse país norte-africano. O primeiro ato da “Primavera Árabe” surgiu na Tunísia, em dezembro de 2010, como movimento popular e secular contrário às péssimas condições de vida enfrentadas pela população; passados quatro anos e profundas reformas políticas, agora é o radicalismo religioso que colhe adeptos em larga escala no país, já que a pobreza e a insatisfação ainda predominam. A relação entre pobreza e política, entretanto, pode ser vista a partir de uma perspectiva mais ampla.
Em 1958, o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek apresentou aos demais governantes do continente uma proposta batizada “Operação Pan-americana”, consistindo basicamente em um grande projeto de cooperação regional que esperava financiamento dos Estados Unidos. O objetivo era, diretamente, reduzir os alarmantes níveis de pobreza e desigualdade encontrados na região e, como conseqüência, deixar as populações carentes das Américas menos suscetíveis ao apelo de movimentos políticos de esquerda radical. Afinal, vivia-se o auge da Guerra Fria. Recebida pelos ianques com desconfiança, a OPA progrediu pouco, mas serviu de inspiração para um programa semelhante, lançado pelos EUA em 1961.
A abordagem proposta por Kubitschek em 1958 permanece válida no mundo de hoje, tendo mudado apenas o tipo de radicalismo político para o qual se voltam as populações mais carentes. Se no passado a atração era pelo extremismo de orientação marxista, hoje é o radicalismo muçulmano que serve de saída aos milhões de atingidos pela pobreza crônica, gerando ameaças à segurança das principais potências ocidentais. Diferente da década de 1960, entretanto, atualmente não é possível identificar nenhum movimento de escala multinacional voltado para o combate à pobreza, apenas iniciativas de cunho militar para conter as suas conseqüências políticas.
Além do Oriente Médio, em evidência pela guerra na Síria, também o continente africano, o centro e o sudeste da Ásia se encontram afetados por rebeliões de aspecto religioso. Invariavelmente, são as regiões mais carentes que registram quadros de radicalização religiosa e, ato contínuo, canalização dessa para a política: desde o árido Afeganistão, até a estagnada Faixa de Gaza, além da Somália, país mais pobre do mundo onde até o Estado deixou de existir em 1991.
Simples que pareça o problema, não há iniciativas de porte para soluciona-lo. Com esforço próprio, o Brasil superou a extrema pobreza ao longo das duas últimas décadas, porém aumentou o nível de desigualdade social: talvez por isso, a insatisfação social por aqui ainda se expresse por meio de fenômenos de menor intensidade, como o crime organizado. Casos de pobreza estrutural, entretanto, dependem de esforço de âmbito mundial para serem equacionados: um assunto que não consta das agendas das nações mais ricas do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário