domingo, 2 de agosto de 2015

Uma guerra fria apenas retórica

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/07/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A participação de Dilma Rousseff na reunião do grupo de países tidos como potências emergentes chamou a atenção para a atuação da Rússia no mundo de hoje. Envolvida em uma guerra não-assumida com a Ucrânia, país do qual já havia anexado parte do território no ano passado, a Rússia tem adotado retórica hostil em relação aos EUA à União Europeia. Devido a esse quadro, muitos têm imaginado a volta da Guerra Fria.
A Rússia continua a ser uma potência militar formidável, única capaz de fazer frente à máquina de guerra norte-americana. Não por acaso, o general Joseph Dunford, ao ser sabatinado recentemente pelo Senado dos EUA no processo de admissão ao comando das forças armadas, apontou a Rússia como uma ameaça existencial aos Estados Unidos. Antes da ação militar, entretanto, há o cálculo político, que frequentemente inclui o interesse econômico; é sob essa lógica que a Rússia deixa de parecer tão ameaçadora. Como parte do sistema econômico capitalista, a Rússia está integrada de forma definitiva ao resto do mundo.
Entre 1947 e 1989, período de tensão entre EUA e União Soviética batizado como Guerra Fria, havia uma diferença estrutural em relação ao momento atual: a adoção do socialismo real pelos soviéticos. Além da diferença entre regimes políticos, a economia era determinante: a existência de um conjunto de países que organizava suas economias a partir do socialismo dividia o mundo em duas metades, com pouca relação entre si. Não havendo propriedade privada dos meios de produção, o Estado ocupava o lugar do empresário, agindo como gerente onipresente preocupado em organizar cada engrenagem do sistema produtivo. A economia socialista, portanto, seguia suas próprias regras, englobando dezenas de países em um sistema de comércio independente da outra metade do planeta. Nesse sentido, o esfacelamento da União Soviética significou a falência do modo socialista de organizar a produção: esse sistema não pôde igualar o dinamismo e a capacidade sempre crescente do capitalismo para gerar riqueza.

Ao adotar o capitalismo, em 1991, a Rússia se encontrava falida em todos os sentidos, passando por uma traumática década de crise e adaptação ao novo sistema. A ascensão ao poder de Vladimir Putin, enérgico e centralizador como vários outros na história russa, assim como a alta nos preços do petróleo que o país passou a explorar, deram início a uma época de prosperidade. Portanto, o ressurgimento da Rússia como potência mundial depende da manutenção de resultados positivos em sua economia, que ultimamente vem sofrendo sanções por parte dos EUA e da União Europeia devido à intervenção russa na Ucrânia. Mais do que isso, a queda recente nos preços internacionais do petróleo também tem causado efeitos negativos na economia russa, algo que causa desconfiança nos mercados financeiros mundiais. Assim, se não conseguir reverter sua retórica militarista em resultados econômicos positivos em breve, Putin provavelmente deve devolvê-la à prateleira de relíquias da era soviética.

Nenhum comentário:

Postar um comentário