quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Tinha uma Hungria no meio do caminho

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/10/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Os refugiados que caminham pela Europa em busca de vida melhor têm marcado o mundo pelas imagens emblemáticas produzem. O corpo do menino sírio Aylan, afogado enquanto sua família tentava chegar à Grécia, comoveu governos e multidões, gerando uma onda de apoio aos outros milhares de pessoas que se dirigem, sobretudo, à Alemanha e Suécia. Dessa tragédia, enfim, nasceram solidariedade e compaixão. Outra imagem se deu em território europeu: a cinegrafista húngara Petra Lazslo derrubava e chutava refugiados sírios, ao mesmo tempo em que registrava a fuga desesperada desses, caçados polícia da Hungria. O mundo despertou para a brutalidade do governo da Hungria, assim como do povo que o apoia.
Membro recente da União Europeia, pois aderiu ao bloco em 2004, a Hungria ergueu uma cerca ao longo de toda a fronteira com a Sérvia, principal rota de passagem dos refugiados. Como essa medida não surtiu efeito, o governo húngaro adotou postura mais enérgica: criou legislação criminal voltada para coibir a entrada ilegal de pessoas no país, deslocando juízes para as áreas de fronteira com o intuito punir com mais rapidez os refugiados. Prefeituras de várias cidades húngaras têm aconselhado seus habitantes a não fazer contato com os refugiados, sob a alegação de que esses seriam portadores de doenças contagiosas; tropas deslocadas para as áreas de fronteira já usaram canhões de água e spray de pimenta para dispersar multidões exaustas e repletas de crianças.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, argumenta estar defendendo os valores e o modo de vida europeu, fingindo ignorar quão recente é a própria presença de seu país na UE. Orquestrando toda essa ação brutal, o líder da Hungria viu sua popularidade crescer junto à população desde o meio do ano, o que pode ser interpretado como o consentimento do eleitorado à maneira como seu governo vem lidando com a crise humanitária. A retórica nacionalista, portanto, ganhou mais força, com acusações de que o país se encontra sob ameaça de uma invasão estrangeira, e a promessa de que a cerca anti-refugiados será estendida também para a divisa com a Croácia. No mesmo sentido, o governo de Orban tem custeado anúncios, de página inteira, nos jornais de maior circulação do Líbano e da Jordânia, avisando aos refugiados que se encontram ainda nesses países para que não se dirijam à Hungria, uma vez que lá chegando, serão presos.
O desgaste sofrido pela Hungria no cenário internacional tem sido enorme, algo que deveria ser levado em conta por um país que tem cerca de 9% de seu PIB originado no setor de turismo. Em 2014 apenas, quase 32.000 brasileiros visitaram a Hungria, segundo dados do governo desse país. A julgar pela onipresença de cercas, tropas e dificuldade de movimentos, certamente milhares de pessoas irão pensar duas vezes antes de visitar um país que se assemelha cada vez mais com a Faixa de Gaza: um destino que, apesar das belas praias mediterrâneas, está longe de ser considerado como sinônimo de bem estar e relaxamento.

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