terça-feira, 27 de outubro de 2015

Um impeachment de papel

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/10/2015 de O Tempo, Belo Horizonte - Minas Gerais)

O cenário político nacional vem se polarizando de forma surpreendente nas últimas semanas, à medida que se torna cotidiano o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff. A palavra impeachment, tida como heresia poucos meses atrás, hoje passeia com desenvoltura por discursos governistas e oposicionistas, marcando a primeira grande derrota petista: enquanto o afastamento de Dilma se torna o ponto central do debate político, em torno do qual cabe a cada um se posicionar, o governo fica preso em uma armadilha na qual só pode atuar defensivamente; o melhor resultado possível não é a vitória, mas um empate.
Curiosamente, a escalada do impeachment não tem ocorrido a partir de discursos ou ações extremadas, mas de um sutil enfrentamento de caráter jurídico e burocrático: uma avalanche de forças e interesses políticos fica suspensa, indefinidamente, até que se produzam sentenças, pareceres ou protocolos que se acreditam ser cruciais para o prosseguimento da carnificina política que definirá a continuidade do governo de Dilma Rousseff.
Serve de exemplo o anticlímax ocorrido recentemente, no qual o STF suspendeu o rito de impeachment definido por Eduardo Cunha, levando o presidente da Câmara dos Deputados a sustar a aceitação de um pedido de afastamento da presidente. Dessa forma, acontecimentos de enorme importância foram cancelados, ou adiados, devido ao receio de que a falta de uma chancela judicial ou técnica ao processo de impeachment possa manchá-lo com as cores da ilegalidade.
O ponto principal, portanto, é a extrema preocupação de todos em relação às aparências que terão as medidas que se quer tomar. O afastamento de Dilma tem que parecer o mais técnico e apolítico possível: a seus autores, portanto, interessa posar no papel de simples executores de ordens imparciais que emanam de um poder neutro. Querem conduzir um processo de impeachment sem parecer ávidos ou “sujar as mãos”: considerando sua natureza eminentemente política, independente do mérito, trata-se de objetivo impossível de ser cumprido dessa forma.
Quanto ao campo governista, por sua vez, resta saber como poderá reagir quando alguma ofensiva jurídico-burocrática ameaçar causar danos reais à administração de Dilma Rousseff: aceitarão tranquilamente abrir mão do poder diante de simples trocas de despachos entre o Legislativo e o Judiciário federais? Tendo o comando do aparato estatal em mãos, será possível resistir à tentação de usá-lo em favor próprio, repudiando uma institucionalidade que não reconhecem como válida? Trata-se de um questionamento extremamente válido, já que não foram poucas as promessas, feitas por lideranças petistas, no sentido de promover uma resistência extremada àquilo que denominam como tentativas de golpe de Estado.
Não necessariamente, ambas as partes dessa disputa pelo poder estão falando a mesma língua e, principalmente, estariam dispostas a se enfrentar pelas mesmas regras: um impeachment “de papel” pode encontrar pela frente uma resistência de ferro e fogo.

Um comentário:

  1. Professor, eu estou com medo de pensar como tudo isso vai terminar!Penso no futuro,principalmente da minha filha!

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