sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dois dias de abril

por Paulo Diniz
(publicado na edção de 19/04/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

          O mês de abril tem dois dias emblemáticos para a democracia brasileira, o primeiro e o vigésimo primeiro. A forma como lidamos com eles, e com seus respectivos legados, diz muito a respeito do civismo das novas gerações de nosso povo. Nesse sentido, acontecimentos recentes têm mostrado sinais preocupantes.
            Em 1º de abril de 1964, teve início mais uma ditadura no conturbado período republicano brasileiro. Os autores de tal mudança política preferiram, para agregar respeitabilidade, que a data oficial do golpe de Estado fosse registrada como 31 de março, e foi nesse dia do corrente ano, que alguns dos militares envolvidos no golpe decidiram realizar no Rio de Janeiro uma cerimônia comemorativa pelos 48 anos de seu feito. Não bastasse a infâmia de tal celebração, ainda foram confrontados por manifestantes que, furiosos, entraram em confronto com a polícia na tentativa de responder com igual demonstração de radicalismo político à comemoração dos militares.
Triste cenário, em sua completude: em pleno ano de 2012, centenas de pessoas se agridem em praça pública, sustentando a fantasia de que ainda vivem em 1964. De tal passado triste, devemos apenas guardar as lições, que apontam no sentido da tolerância, convivência, debate e negociação. Representantes de ambos os extremos do espectro político brasileiro, demonstram claro desejo de alienação em relação ao mundo complexo em que hoje vivemos. Amedrontados com o século XXI, buscam refúgio em um passado romântico, no qual duelavam “mocinhos e bandidos”.
Poderíamos chamar tal tendência “Efeito Bolsonaro”, em referência ao deputado federal que ganha cada vez mais notoriedade extravasando opiniões extremadas. Porém, o nome não faria jus à realidade completa, pois tal exagero seria apenas caricato se não fosse sempre rebatido pelo extremismo esquerdista, tão raivoso e estridente quanto o dos adeptos da finada ditadura militar. Ganham ambos, com tal confronto coreografado, pois podem posar como defensores de seus ideais “puros”; perde o Brasil, com o empobrecimento do debate político nacional, imerso no simplismo de ideologias já há muito superadas pela realidade do mundo contemporâneo. Tentar viver no passado, simplesmente, não é uma opção.
O dia 21 de abril, por outro lado, representa o oposto exato: nele são lembrados o mártir da Inconfidência, Tiradentes, e um dos principais articuladores do desmantelamento da ditadura militar, o mineiro Tancredo Neves. Avesso ao confronto e à violência, Tancredo atravessou o período de repressão política como opositor do regime imposto pelos militares, atuando às claras e tendo por armas apenas o diálogo e o profundo desejo de construir o consenso. Ao final, obteve o sucesso de uma transição política pacífica, base sólida para a democracia que vem sendo reconstruída desde então. Sucumbindo ao esforço extremo e continuado, Tancredo faleceu em 21 de abril de 1985, já eleito presidente. É a esse verdadeiro herói, e principalmente a seu espírito de paz e entendimento, que devemos as mais profundas manifestações de admiração, orgulho e inspiração para o futuro.

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