terça-feira, 1 de agosto de 2017

Emendas parlamentares: de inimigas da representação popular a esteio do governo Temer

por Paulo Diniz
publicado na edição de 01/08/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Com duas frases curtas, o veterano deputado federal Paes Landim resumiu recentemente o segredo da sobrevivência política de Michel Temer. Falando por si, Landim disse valorizar Temer pela proximidade e diálogo que mantem com o Legislativo; nas votações polêmicas e impopulares, o deputado confia na “memória curta” da população, que tende a esquecer de tudo dentro de um ano. Apesar desse tipo de raciocínio ser perceptível no comportamento dos políticos brasileiros em geral, dificilmente surge alguém que o expresse tão desavergonhadamente quanto esse deputado, eleito pelo PTB do Piauí e que exerce hoje seu oitavo mandato.
A fala de Paes Landim nos ajuda a compreender não só a surpreendente manutenção de Temer no poder, como também alguns mecanismos da política brasileira. Quando cita “proximidade e diálogo”, Paes Landim se refere muito provavelmente à disposição de Michel Temer para receber pessoalmente os pedidos dos parlamentares e atendê-los. A nomeação de pessoas indicadas por deputados e senadores para ocuparem cargos na administração pública federal é um bom exemplo: não apenas Temer dá emprego para quem seus aliados pedem, como também exonera com rapidez tais pessoas quando percebe que o apoio político prometido começa a vacilar.
Mas a felicidade de deputados como Paes Landim se deve muito mais ao manejo que Temer faz dos recursos orçamentários: as chamadas “emendas parlamentares”, desconhecidas da maioria da população, desempenham o papel mais importante na relação do presidente com o Legislativo. Em linhas gerais, cada emenda feita por um parlamentar ao projeto da lei orçamentária significa que esse político define a forma como será gasta parte dos recursos do Estado brasileiro; historicamente, deputados e senadores usam o instituto das emendas para levar recursos, na forma de obras e serviços, para as regiões nas quais tiveram melhor votação.
Não há, portanto, ilegalidade nessa prática, apenas uma questionável dinâmica de recompensa à população que se mantém fiel a seu parlamentar, do ponto de vista eleitoral. O problema que ocorre no Brasil é que a tarefa do parlamentar acaba se restringindo, na maioria dos casos, ao gerenciamento de suas próprias emendas; a representação dos interesses e a defesa dos valores de seu eleitorado específico costuma ser deixada de lado. A dinâmica das emendas parlamentares, assim, permite que os deputados não representem ninguém, pois o único compromisso assumido foi o de carrear alguns recursos para certa região: cumprida essa promessa, podem se comportar como quiserem no plenário.
Tendo presidido a Câmara dos Deputados duas vezes, Michel Temer sabe o quão importantes são as emendas na carreira de um parlamentar: apenas em junho, liberou o pagamento de cerca de R$ 2 bilhões em emendas, valor semelhante à soma dos demais meses de 2017. Na votação da admissibilidade da denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra Temer, esse espera obter a gratidão dos deputados por sua grande generosidade.
Levando em conta a atual composição do Legislativo federal, é bem provável que os cálculos de Temer se mostrem corretos, e seu governo ganhe assim mais alguns meses de sobrevida. Porém, nada impede que a crença de Paes Landim na “memória curta” do eleitor brasileiro tenha caducado como conhecimento político, e as urnas em 2018 anunciem uma grande renovação nos quadros do Legislativo nacional; só depende de nós.

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