terça-feira, 14 de junho de 2016

Sistemas partidários: democracia demais?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 15/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O afastamento de Dilma Rousseff do poder vem despertando uma série de dúvidas sobre a origem da atual conjuntura política; por exemplo, questiona-se o porquê de ela ter sido alçada à condição de candidata à Presidência em 2010. O debate gira em torno das conveniências pessoais e políticas do então presidente Lula e, especialmente, da forma como sua vontade se sobrepôs no ambiente interno do PT.
Nesse contexto, a questão mais importante diz respeito ao sistema partidário brasileiro, que usualmente funciona a partir de decisões tomadas a portas fechadas e que envolvem apenas um grupo reduzido de lideranças. Na busca por alternativas, o modelo norte-americano tem despertado grande atenção: nos EUA, a escolha dos candidatos pelos principais partidos é feita, em grande parte, pela própria população, em um processo de eleições primárias. A disputa ora em curso está próxima de um final surpreendente: o Partido Republicano, que iniciou o processo com o número recorde de 16 pré-candidatos, agora tem apenas um na disputa, justamente o que mais desagrada às lideranças partidárias.
Figuras alinhadas ao perfil tradicional dos republicanos, como Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, foram sumamente descartados pelos filiados do partido de todo o país, em favor do histriônico e populista Donald Trump, novato tanto na política quanto no partido. O contraste com o panorama brasileiro é extremo, uma vez que por aqui, seria praticamente inconcebível a escolha de um candidato que não agradasse a maioria dos líderes partidários. A impressão, em análise superficial, é mesmo de que o sistema norte-americano é tanto mais democrático quanto desejável, já que permite a expressão fiel da vontade popular.
Entretanto, é necessária uma análise mais profunda: o sistema norte-americano de primárias, apesar de mais participativo, deixa aberta a possibilidade de que as artimanhas usuais das campanhas eleitorais sejam utilizadas também no contexto pré-eleitoral, produzindo manipulações da vontade coletiva. O caso de Trump é exemplar, uma vez que, mesmo mobilizando as massas populares pelo uso criativo da mídia, é certo que está seguindo para as urnas um nome que muitos líderes do Partido Republicano consideram inapropriado para conduzir a nação mais poderosa do planeta. A instância partidária, que superficialmente poderia ser vista como um intermediário à vontade popular, deixou nesse caso de cumprir seu papel democrático fundamental: o de atuar como ambiente de discussão política equilibrada, ampliando a perspectiva das vozes, muitas vezes conturbadas, que vêm das ruas.
Portanto, assim como no caso brasileiro, o sistema eleitoral norte-americano deixa aberta a possibilidade de que uma alternativa extrema prevaleça, conturbando a escolha do eleitor. Nos EUA de 2016, a participação popular suplantou o partido, levando à escolha de um radical; no Brasil de 2010, a direção do partido suplantou a participação dos filiados, possibilitando a seleção de uma candidata alheia ao meio político.

Nenhum comentário:

Postar um comentário