por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
A
crise na Venezuela, desastre humanitário que agora se aproxima de um desfecho
militar, teve origem no descontrole dos gastos públicos durante o período de
alta nos preços do petróleo e foi agravada pela desordenada expansão do Estado para
controlar a economia. Esse receituário, que resulta da adoção pelo regime venezuelano
de ideais alegadamente socialistas, foi o mesmo roteiro que levou à ruina dos
países europeus que praticaram o chamado “socialismo real” até o final dos anos
1980. Essa tradicional cartilha socialista, preocupada em distribuir riqueza, falhava
por não ensinar como produzi-la.
Mesmo
que nem todo movimento de controle estatal da economia traga uma carga
ideológica, é exatamente por esse viés que a crise venezuelana tem sido
colocada em evidência. O colapso do regime bolivariano tem sido apresentado
como uma vitrine do futuro que esperava o Brasil caso prosseguissem os governos
petistas. Entretanto, vale lembrar que há mais de um caminho para chegar ao
fundo do poço, e a ilha caribenha de Porto Rico tem potencial para se tornar
uma versão capitalista da tragédia venezuelana.
Sendo
oficialmente um “Estado associado” aos EUA, Porto Rico preservou para si atributos
de um país independente, ao mesmo tempo que manteve laços íntimos com a nação
ianque: por exemplo, os porto-riquenhos são cidadãos norte-americanos, utilizam
o dólar como moeda e não possuem forças armadas. O curioso estatuto legal desse
país foi considerado por seus habitantes, durante décadas, como uma vantagem
estratégica em relação aos países vizinhos e aos próprios estados que compõem
os EUA. Dessa forma, fazendo uso da peculiaridade legal de Porto Rico, foram
concedidos benefícios fiscais para a atração de indústrias a partir da década
de 1970, isenções de impostos para quem comprasse títulos da dívida
porto-riquenha dos anos 1990 em diante, e na década seguinte, foram aprovadas
novas exceções de impostos com o objetivo de transformar a ilha no novo endereço
dos ricos e famosos dos EUA.
Todas
essas medidas de estímulo à economia buscavam potencializar o efeito de forças
já existentes no mercado. Por exemplo, os compradores de títulos da dívida
porto-riquenha tinham a garantia, na constituição desse país, de que receberiam
seu pagamento mesmo que o governo não conseguisse custear serviços básicos à
população. Assim, a incerteza do investidor era um problema maior do que o bem-estar
do povo para o governo da ilha. Voluntariamente submetida às demandas do
capitalismo liberal, hoje Porto Rico possui uma dívida de US$ 78 bilhões, baixa
capacidade de arrecadação de impostos e enfrenta constante perda de indústrias
para países asiáticos. Por não se tratar de um estado norte-americano, a ilha
não pode decretar falência e pedir apoio federal, e por isso tem fechado
escolas e hospitais para reunir recursos e custear suas dívidas.
Os
chamados “fundos abutres”, que lucram a partir da cobrança judicial de títulos
de nações falidas, já controlam cerca de 30% dos papéis porto-riquenhos e arrastam
o futuro da ilha para os tribunais dos EUA. Enquanto isso, dezenas de milhares
de pessoas deixam o país a cada ano, incluindo uma média de um médico por dia,
e 45% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Assim,
vê-se que não existe ideologia capaz de salvar os países de suas próprias
condutas equivocadas: Venezuela e Porto Rico se equivalem, no descaso de seus
governos com o povo.
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