por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/10/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Encerrado
o primeiro turno da campanha presidencial, tem fim uma etapa interessante da
disputa eleitoral: o momento em que as lideranças dos maiores partidos
brasileiros disputam o mesmo espaço que os candidatos de agremiações menos
expressivas. Perfis tão distintos, quando confrontados, são responsáveis por
produzir debates antológicos, tanto da perspectiva do choque de ideias quanto
do folclore político. Dentre os candidatos que representam os menores partidos,
um grupo tem passado por mudanças significativas nas últimas décadas: são os
oriundos da extrema esquerda, que merecem atenção especial por terem crescido
substancialmente desde a redemocratização brasileira.
As
eleições de 1989 tiveram apenas um candidato que poderia ser associado ao
ideário da esquerda revolucionária, que então tinha o Leste Europeu e a União
Soviética como referenciais claros de sociedades organizadas pelo socialismo
real. A partir da década de 1990, entretanto, desfez-se esse norte, pois tais
países abraçaram o capitalismo; restaram apenas os questionáveis exemplos do
socialismo chinês e cubano. Mesmo assim, no Brasil as propostas de aplicação do
credo socialista ganham cada vez mais adeptos: no atual pleito, havia quatro
candidatos a presidente que se posicionavam nesse extremo do espectro político,
um grupo ao qual nunca pertenceu o PT.
Essa
tendência coincide com um momento singular na América Latina: nunca tantos
governantes de esquerda estiveram no poder simultaneamente. Se a esquerda
moderada tem, por um lado, encontrado boa recepção nas urnas, essa desagrada
profundamente às facções mais ortodoxas do pensamento socialista. Certamente, o
caminho para se chegar ao poder é feito de concessões, e as mudanças geradas no
socialismo são prova de que não se obtém o consenso democrático sem praticar a moderação.
Porém, é exatamente essa dinâmica de negociação e adaptação a um contexto
social mais amplo que fomentou o apelo da extrema esquerda: a conquista do
poder se revelou como uma decepção para esse grupo político minoritário, pois
não se concretizaram seus conceitos particulares de justiça e igualdade.
Diante
da frustração pelos objetivos não realizados, muitos rejeitaram o socialismo
moderado que alcançou o poder: alguns buscando manter à tona referenciais
alternativos de sociedade, e outros apegados à conveniência de continuar
vivendo seus sonhos. Aparentemente, pertencem ao segundo grupo os atuais candidatos
de extrema esquerda, uma vez que suas propostas, como a criação de milícias
populares e o rompimento com o sistema financeiro internacional, ultrapassam os
limites de qualquer pauta de demandas progressista. Se o apelo desses
candidatos decorre do desejo coletivo de habitar a dimensão do imaginário,
então há motivos para preocupação: o exercício do delírio na política não só
tem o efeito de deseducar o eleitorado, habituando-o com um padrão irreal e
imediatista de demandas, como também o torna público cativo de lideranças pouco
propensas à negociação democrática.
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