terça-feira, 21 de outubro de 2014

Um tímido começo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 19/10/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As discussões que têm marcado a disputa presidencial, por mais que apresentem muitos pontos em comum com pleitos anteriores, demonstram uma característica peculiar: a presença de tópicos relacionados à forma como o Brasil se posiciona no mundo. Em democracias como os EUA e a Alemanha, por exemplo, as linhas de política externa dos candidatos ao comando do país são tão vivamente discutidas pelos eleitores quanto questões econômicas e programas sociais. Mesmo tímida, a presença de temas de política externa pôde ser notada durante o primeiro turno de forma constante, o que demanda um olhar mais atento.
O protagonismo coube aos candidatos de oposição: em relação à segurança pública, o atual governo foi acusado de privilegiar a afinidade ideológica, adotando uma postura condescendente em relação a países vizinhos que se destacam na produção de drogas, com destaque para a Bolívia. Também sob o argumento de privilegiar a lógica partidária, os governos do PT sofreram desgaste devido aos investimentos em infraestrutura realizados em Cuba e na Venezuela, fato que mesmo gerando demanda para as grandes empreiteiras brasileiras, tem sido atacado pela oposição devido à demanda por obras desse mesmo tipo em solo nacional. Esses tópicos representam um interesse crescente da esfera política brasileira pelo que acontece no exterior; independente da profundidade da discussão, merece destaque a existência do debate em si.
A ausência, entretanto, foi a missão militar brasileira no exterior: mantendo mais de 1.400 soldados no Haiti desde 2004, o Brasil comanda a operação militar das Nações Unidas nesse país, tendo sofrido 22 baixas e gasto R$ 1,3 bilhão. Como consequência, o Brasil se tornou ponto final de um circuito de imigração que trouxe quase 18 mil refugiados haitianos ao país. Mesmo considerando as proporções desse quadro, não foi possível perceber que os candidatos a presidente tenham abordado o tema. Há potencial eleitoral a ser explorado: em 1999, quando o Brasil foi instado a colaborar com o processo de independência da ex-colônia portuguesa do Timor Leste, lideranças parlamentares de destaque converteram o custo estimado da ação militar brasileira em termos de casas populares ou postos de saúde que poderiam ser construídos. Diante de tal possibilidade de desgaste, o então presidente optou por enviar apenas algumas dezenas de policiais, contribuindo com a organização do trânsito na nova nação asiática.
Como os demais campos da ação do Estado nas políticas públicas, a política externa é capaz de gerar ônus e bônus à população brasileira. Porém, por um desenvolvimento histórico peculiar, que envolve questões de sigilo e segurança, esse campo da ação governamental evoluiu de forma afastada dos olhos da população. É preciso que a dinâmica eleitoral, a partir da relação direta que estabelece entre o poder instituído e os cidadãos, modifique essa trajetória definitivamente, trazendo mais transparência quanto aos meios utilizados e os fins buscados pelo Brasil no mundo.

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