por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/10/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
A
tensão entre Estados Unidos e Coreia do Norte continua a crescer a cada semana.
Enquanto nenhuma das partes busca reduzir a agressividade de seus discursos, o
parlamento da Coreia do Sul aprovou uma ajuda emergencial de US$ 8 milhões à
sua vizinha do norte, em uma tentativa de recuperar a estratégia de
apaziguamento que funcionou muito bem durante a segunda metade dos anos 1990.
Nesse contexto, uma notícia passou quase despercebida: Angola e Moçambique,
países com os quais compartilhamos profundos laços culturais e históricos,
estão sob investigação das Nações Unidas por supostamente desrespeitarem as
sanções comerciais impostas por essa organização internacional à Coreia do
Norte.
De
acordo com a denúncia, ambos os países africanos fizeram negócios recentemente
com empresas de propriedade do governo norte-coreano. No caso de Angola, por
exemplo, a relação entre o governo norte-coreano e a empresa Green Pine é tão
explícita, que os funcionários dessa são credenciados como servidores da embaixada
norte-coreana nesse país. Suspeita-se que Angola tenha contratado serviços do
país asiático para treinamento de suas tropas de elite, além de ter se
envolvido em uma negociação de compra de navios de guerra que não prosperou.
No
caso de Moçambique, foram adquiridos mísseis, um sistema de defesa antiaérea e
um radar junto à empresa norte-coreana Haegeumgang. Enquanto as Nações Unidas
aguardam respostas das duas nações africanas, registram também uma circulação
atípica de cidadãos norte-coreanos pela África, provavelmente prospectando ou
já conduzindo outros negócios desse tipo.
Essa
situação é ilustrativa do quão limitados são os instrumentos de pressão
utilizados por organismos multilaterais como as Nações Unidas. Na ausência de
um efetivo governo de caráter internacional, capaz de impor suas decisões pela
força de seus próprios meios e ultrapassar as soberanias dos países, qualquer
decisão coletiva acaba sempre dependendo da boa vontade dos governos nacionais para
produzir efeitos.
Assim,
enquanto houver atores interessados em obter ganhos a partir do descumprimento
de orientações de órgãos como a ONU, a efetividade desses será bem limitada. É
bem provável que os governos de Angola e Moçambique obtiveram preços e
condições mais vantajosos em seus negócios com a Coreia do Norte do que
encontrariam no mercado legítimo de bens e serviços militares. Por qual outro
motivo, então, arriscariam suas reputações ao negociar secretamente com um
regime malquisto por quase todos?
Gostem
ou não os idealistas, o mundo do século XXI não difere muito em sua essência da
estrutura política internacional vigente, por exemplo, em meados do século
XVII: tem-se como regra um conjunto de Estados nacionais soberanos, entregues à
busca de seus interesses egoístas e que só podem ser contidos pela força de
outros Estados igualmente soberanos cujos interesses conflitem com os seus.
Qualquer variação em relação a isso é temporária, pontual e não passa de
estratégia para produzir os melhores resultados a um custo inferior ao que teria
uma ação puramente militar.
Nos
bastidores do mundo político internacional há muito mais acontecendo do que no
palco das organizações internacionais. A pergunta mais importante do momento
atual é: quão habilitada está a equipe de novatos escolhida por Donald Trump
para atuar nos bastidores da política mundial? A resposta, por enquanto, parece
desanimadora.
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