domingo, 21 de junho de 2015

O mito do golpismo no Brasil

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A democracia brasileira completou três décadas de restauração. Nesse momento, coube ao Governo Federal um silêncio constrangedor, motivado pela pequeneza cívica de suas lideranças, temerosas de que ao homenagear Tancredo Neves acabariam por promover seu neto Aécio. Em meio a esse cenário, nunca se falou tanto que a democracia brasileira estaria sob ataque, o que demanda uma discussão detalhada.
O setor governista do PT, aquele que ainda defende politicamente Dilma Rousseff, identifica duas ameaças à democracia: as lideranças da oposição que defendem o impeachment da presidente, e os cidadãos que aproveitam as manifestações antigoverno para pedir por nova intervenção militar. Inicialmente, é preciso destacar o profundo processo de mudança pelo qual passaram as Forças Armadas desde 1985: carregando a culpa por lançar o país à pior crise de sua história, os militares buscaram se afastar do ativismo político, iniciado com o golpe que implantou a república e culminou com o de 1964.
Difícil cogitar uma nova intervenção militar na política, de fato, quando os próprios militares não demonstram interesse pelo assunto; os poucos que fazem eco aos clamores golpistas são remanescentes amargurados de eras passadas, sem função efetiva atual. Esses indivíduos, entretanto, têm seus diálogos disfuncionais amplificados ao máximo por setores ligados ao governo, com o claro objetivo de deslegitimar as queixas de milhões de manifestantes descontentes com as ações de Dilma. É esse jogo midiático que representa uma afronta à democracia, pois busca invalidar a expressão de amplos setores da sociedade.
A demanda pelo impeachment guarda ainda menos relação com o golpismo. Regulamentado desde 1950, o impedimento de presidente eleito parte do pressuposto de que as urnas não detém o poder canônico de absolver os pecados cometidos perante a legislação vigente. Assim, o argumento segundo o qual é imperativo aceitar ao resultado das urnas soa desrespeitoso aos mais básicos princípios da lógica: equivale a aceitar a existência de lei que, há seis décadas, legitimaria o golpismo no Brasil.
A entronização do ato do voto, comum em amplos setores da esquerda brasileira, reduz o escopo da democracia. O exercício dos direitos políticos inclui a tolerância à divergência e a preservação do espaço de atuação política das minorias oposicionistas. Que sirva de exemplo o último regime ditatorial do Brasil, que conviveu com eleições diretas para quase todos os cargos do Executivo e com o funcionamento do Legislativo quase ininterrupto: enquanto as urnas foram bastante usadas, liberdade e democracia pouco tinham a ver com o cotidiano nacional.
A julgar pelo funcionamento das instituições brasileiras, como a liberdade de imprensa, o Judiciário e o Legislativo, pode-se a firmar que a democracia brasileira vive hoje momento de evolução. Afinal, nosso regime político vem sendo capaz de superar os maiores desafios: aqueles postos por quem se dispõe a salvar a democracia nacional de ameaças imaginadas.

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