domingo, 20 de novembro de 2016

Péssimas previsões e ótimas explicações: o efeito avestruz nas eleições dos EUA

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A vitória de Donald Trump nos EUA causou um tipo de choque poucas vezes visto: havia meses que imprensa e crítica previam o sucesso de Hillary Clinton, tendo por fundamento incontáveis pesquisas de opinião. Por exemplo, o tradicional semanário Time estampou na capa de duas de suas edições o “colapso total” da campanha de Trump, ilustrado por uma imagem do rosto do candidato em derretimento. Analistas de política tinham foco sobre o processo de reconstrução do Partido Republicano, após a derrota tida como certa de Trump.
O consenso em torno da vitória de Hillary Clinton resistiu até que os votos começaram a ser contados. Desde então, surgiu uma avalanche de explicações para dar sentido à vitória do republicano, algo que levanta a dúvida: por onde andava todo esse poder de análise durante a campanha eleitoral? A contradição entre péssimas previsões eleitorais e boas explicações pós-eleitorais, separadas apenas por poucos dias, pode ser explicada por um intenso desejo de negação dos fatos, por parte da maioria dos formadores de opinião dos EUA.
Por quase oito anos, o governo de Barack Obama serviu como um atestado de que o povo dos Estados Unidos estava superando seu passado de tolerância em relação ao racismo e à desigualdade social, tudo isso através do funcionamento da democracia ianque. Eleger Hillary, portanto, seria mais um passo na mesma direção. Por isso, durante meses os principais meios de comunicação, personalidades políticas, artísticas e intelectuais reproduziram a ideia de que uma vitória de Trump enviaria os EUA para o domínio da barbárie. É fato que algumas de suas declarações realmente aludiam a essa possibilidade, porém expor o surrealismo dessa plataforma não conta como uma análise política equilibrada. A confusão entre desejo e realidade, portanto, levou boa parte dos EUA a negar fatos importantes e conhecidos, apenas por esses serem incômodos.
O maior exemplo foi a questão industrial: Trump foi o único candidato, em décadas, a prometer protecionismo comercial como forma de recuperar as indústrias, gerando empregos e melhorando salários. Com isso, Trump reacendeu esperanças há muito adormecidas nas decadentes regiões industriais dos EUA, que sofrem os efeitos perversos da globalização, perdendo a concorrência para países que oferecem mão de obra barata.
Colocar em prática tal medida é algo, na visão de muitos, impossível. Porém, em uma campanha política, indicar caminhos e fomentar esperanças é o melhor que um candidato pode fazer. Essa atitude de Trump, também utilizada em seu bizarro programa de imigração, foi percebida pelos analistas políticos como uma inovação capaz de tocar o eleitorado. Mas, nem por isso, reconheceu-se que o republicano tinha chances de vitória.
Também a onipresença de Trump nos noticiários, mesmo que sob manchetes negativas, foi percebida como fato, mas não como ameaça, pelos entusiastas de Hillary. Esses, afinal, recobraram contato com a realidade quando já era tarde demais, e as urnas proclamavam seu veredito. 

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