segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O voto é obrigatório, a participação é essencial

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 30/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Um dos pontos mais destacados a partir dos resultados eleitorais de 2016 é o alto percentual de votos brancos e nulos, assim como o de abstenções. Foram nove as capitais nas quais a soma de votos brancos, nulos e abstenções foi maior do que o contingente que preferiu o candidato mais votado. Em Belo Horizonte, a soma dos votos em João Leite e Alexandre Kalil no primeiro turno foi inferior ao número de votos inválidos e eleitores ausentes. Além de levar ao delírio os pessimistas de plantão, tais números trouxeram à tona o debate da obrigatoriedade do voto.
Inicialmente, vale destacar que o instituto do voto obrigatório não é exclusividade brasileira, sendo praticado em dezenas de países. Na maioria desses, registra-se um passado de instabilidade política, guerras ou redemocratização recente, situação essa que caracteriza o Brasil, onde a democracia voltou em 1985. A obrigatoriedade do voto, portanto, é um instrumento para se tornar mais legítimo o sistema político: afinal, se todos os cidadãos aptos são levados a participar das decisões coletivas, isso os levaria a ter ao menos um nível mínimo de conhecimento sobre as regras básicas de vida em comunidade.
Sob essa lógica, as frustrações que normalmente atingem a diversos grupos sociais podem ser contidas pelo próprio sistema político, levando os insatisfeitos a se mobilizarem em torno de partidos e plataformas, e não de extremismo e armas. Representatividade é a palavra-chave: aqueles que tiverem seu interesses defendidos por alguém, junto às esferas de decisão do Estado, podem nutrir a esperança real de que serão atendidos em algum momento.
Esse mecanismo costuma trazer, ao redor do mundo, resultados positivos. O problema surge quando, em casos como o brasileiro, nem mesmo a obrigatoriedade do voto é capaz de levar uma maioria significativa da sociedade às urnas: nas últimas duas décadas, em eleições nacionais, o percentual de pessoas que não votaram ou não escolheram qualquer candidato ronda perigosamente a casa de 30% do total de eleitores aptos, uma fatia grande da população. Temos dezenas de milhões de pessoas que se encontram à margem do sistema político: além de não encontrarem canal para apresentar suas demandas ao Estado, também são presa fácil para ideias extremistas.
A solução deve estar ligada à superação da ideia, extremamente difundida, que dá papel central ao voto. O envolvimento no cotidiano do Legislativo e dos partidos políticos, por exemplo, continua um canal explorado apenas por uma parcela ínfima da população brasileira; mas é justamente nessas duas instâncias que são formuladas e debatidas as principais propostas de interesse da população. O voto, afinal, representa apenas o momento final, no qual se escolhe entre as opções previamente elaboradas.
A melhoria da política brasileira, portanto, depende muito mais da ação e envolvimento de cada cidadão, do que da conclusão de uma celebrada reforma política que se discute nos desvãos de Brasília, e que “salvaria a pátria” com um só gesto.

Um comentário:

  1. Ilustríssimo Sr. Professor Paulo Diniz
    Bom dia!
    Como já disse alhures, não cabe em um velho catecúmeno vir ensinar a religião aos seus bispos e pontífices, nem aos que agora, dotados de títulos e toda espécie de honrarias, serem questionados sobre seus atos e palavras.
    Dito isto, avesso - há décadas - às polêmicas envolvendo religião, política e futebol, vejo-me compelido a fazer o contraponto em relação ao seu artigo publicado no jornal O TEMPO, às folhas. 25, de 30 de outubro/16, com o titulo "O VOTO É OBRIGATÓRIO, A PARTICIPAÇÃO É ESSENCIAL", por ter em seu conteúdo um misto de Direito e Política.
    O que me causou imensa decepção foi, ao ler o referido artigo, a riqueza de informações verdadeiras, das quais Vossa Senhoria esbanja conhecimento, e melancolicamente suas conclusões conflitantes.
    Senão, vejamos:
    a) "Foram nove as capitais nas quais a soma de votos brancos, nulos e abstenções foi maior do que o contingente que preferiu o candidato mais votado."
    b) ..."se todos os cidadãos aptos são levados a participar das decisões coletivas, isso os levaria a ter ao menos um nível mínimo de conhecimento sobre as regras básicas de vida em comunidade".
    c) ..."aqueles que tiverem seus interesses defendidos por alguém, junto às esferas de decisão do Estado, podem nutrir a esperança real de que serão atendidos em algum momento".
    d) "O envolvimento no cotidiano do Legislativo e dos partidos políticos, por exemplo, continua a ser um canal explorado apenas por uma parcela ínfima da população brasileira".

    Ora, se no item "a" a imensa maioria de eleitores optaram pelo protesto velado de não votar ( isto é: se recusaram a escolher, sequer o menos ruim dos candidatos ofertados), ISTO NÃO É UMA DECISÃO COLETIVA CONSCIENTE?
    Quanto ao item "b": se a resposta for positiva para o item "a", obrigatoriamente reconheceremos que a população já adquiriu o "nível mínimo de conhecimento sobre as regras básicas da política brasileira".
    Em relação ao item "c": afirmativa totalmente verdadeira, se aplicada às elites e classes dominantes, que sempre usufruíram do poder.
    Sobre o item "d": exatamente igual à conclusão referente ao item "c".
    Finalizando: a exposição do texto, a meu sentir, não ficou coerente com o seu título, dentro de uma visão realista de como funciona o regime político brasileiro, do qual Vossa Senhoria deve ser profundo conhecedor. Isto só se aceita se o objetivo for buscar a real libertação e desenvolvimento do povo brasileiro, sobejamente desiludido com séculos de traição e exploração de candidatos e políticos profissionais corruptos e criminosos contumazes, jamais penalizados neste pais.
    Respeitosamente,
    Plínio Veiga
    03/11/2016

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