por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O
golpe militar que sacudiu a Turquia em 15 de julho ainda tem ocupado as
manchetes em todo o mundo. Não apenas pela farta cobertura proporcionada por
smartphones e redes sociais, mas principalmente pela violência dos insurgentes,
que fizeram uso de tanques de guerra e bombardeios aéreos nas maiores cidades
do país. Em 24 horas a rebelião estava contida, mas as reflexões apenas
começando: para os brasileiros, interessa bastante discutir o conceito de
golpe, palavra muito usada por aqui nos últimos meses.
Em
comunicado divulgado nas primeiras horas da rebelião turca, os militares que
desencadearam a ação acusaram o presidente Recep Erdogan de ameaçar a
democracia para se perpetuar no poder, limitando a liberdade de imprensa,
intimidando o judiciário e as universidades que lhe foram críticas, além de patrocinar
mudanças profundas na constituição turca que o favoreceram imensamente. Nada
poderia estar mais correto, uma vez que a trajetória de Erdogan no poder vem
preocupando líderes mundiais já há alguns anos. Já vão longe os anos 1990,
quando os eleitores turcos puderam eleger a uma mulher como primeira-ministra
de seu país, e o discurso islâmico tinha papel bastante periférico na política.
Não por acaso, os articuladores do golpe de Estado de 15 de julho também
apontaram a crescente presença da religião na política e na vida do Estado como
um dos riscos próprios do governo Erdogan, contrário ao secularismo
historicamente valorizado pelos turcos.
A
validade dos argumentos dos militares golpistas, entretanto, não os justifica.
Um brutal golpe de Estado não se torna menos mal por ter sido realizado contra
um outro mal. No Brasil de 1964, o golpe militar buscava trazer estabilidade a
um país à beira do colapso social, comandado por um dos presidentes mais
inábeis e frágeis da história brasileira. Nem por isso, nossos 21 anos de
ditadura foram menos duros, ou o rompimento da institucionalidade perdeu seu
caráter golpista.
Contido
o golpe turco, Erdogan agora parece referendar os argumentos de seus
adversários: realiza detenções aos milhares, principalmente de figuras que não
parecem estar tão diretamente ligadas ao complô, como professores
universitários, juízes e promotores. Além do fechamento de jornais, revistas e
emissoras de televisão, também foi anunciada pelo presidente turco a elaboração
de uma nova constituição. Erdogan, portanto, está ampliando rapidamente seu
controle político sobre a Turquia, acelerando o processo do qual já vinha sendo
acusado há alguns anos.
O
dilema cruel da Turquia, entre o golpe gradual de Erdogan e o golpe instantâneo
dos militares, não guarda qualquer semelhança com a política brasileira atual.
Liberdades de imprensa e do Judiciário permaneceram intocadas por aqui, ao
mesmo tempo que a legislação aplicada contra Dilma Rousseff já existia há
muitos anos. Portanto, chamar por golpe o naufrágio político do PT não passa de
uma tentativa de se transferir a outros a culpa por seus próprios erros, tanto
políticos quanto criminais.
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