segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Na Turquia, golpe é golpe mesmo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O golpe militar que sacudiu a Turquia em 15 de julho ainda tem ocupado as manchetes em todo o mundo. Não apenas pela farta cobertura proporcionada por smartphones e redes sociais, mas principalmente pela violência dos insurgentes, que fizeram uso de tanques de guerra e bombardeios aéreos nas maiores cidades do país. Em 24 horas a rebelião estava contida, mas as reflexões apenas começando: para os brasileiros, interessa bastante discutir o conceito de golpe, palavra muito usada por aqui nos últimos meses.
Em comunicado divulgado nas primeiras horas da rebelião turca, os militares que desencadearam a ação acusaram o presidente Recep Erdogan de ameaçar a democracia para se perpetuar no poder, limitando a liberdade de imprensa, intimidando o judiciário e as universidades que lhe foram críticas, além de patrocinar mudanças profundas na constituição turca que o favoreceram imensamente. Nada poderia estar mais correto, uma vez que a trajetória de Erdogan no poder vem preocupando líderes mundiais já há alguns anos. Já vão longe os anos 1990, quando os eleitores turcos puderam eleger a uma mulher como primeira-ministra de seu país, e o discurso islâmico tinha papel bastante periférico na política. Não por acaso, os articuladores do golpe de Estado de 15 de julho também apontaram a crescente presença da religião na política e na vida do Estado como um dos riscos próprios do governo Erdogan, contrário ao secularismo historicamente valorizado pelos turcos.
A validade dos argumentos dos militares golpistas, entretanto, não os justifica. Um brutal golpe de Estado não se torna menos mal por ter sido realizado contra um outro mal. No Brasil de 1964, o golpe militar buscava trazer estabilidade a um país à beira do colapso social, comandado por um dos presidentes mais inábeis e frágeis da história brasileira. Nem por isso, nossos 21 anos de ditadura foram menos duros, ou o rompimento da institucionalidade perdeu seu caráter golpista.
Contido o golpe turco, Erdogan agora parece referendar os argumentos de seus adversários: realiza detenções aos milhares, principalmente de figuras que não parecem estar tão diretamente ligadas ao complô, como professores universitários, juízes e promotores. Além do fechamento de jornais, revistas e emissoras de televisão, também foi anunciada pelo presidente turco a elaboração de uma nova constituição. Erdogan, portanto, está ampliando rapidamente seu controle político sobre a Turquia, acelerando o processo do qual já vinha sendo acusado há alguns anos.
O dilema cruel da Turquia, entre o golpe gradual de Erdogan e o golpe instantâneo dos militares, não guarda qualquer semelhança com a política brasileira atual. Liberdades de imprensa e do Judiciário permaneceram intocadas por aqui, ao mesmo tempo que a legislação aplicada contra Dilma Rousseff já existia há muitos anos. Portanto, chamar por golpe o naufrágio político do PT não passa de uma tentativa de se transferir a outros a culpa por seus próprios erros, tanto políticos quanto criminais.

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