segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Anatomia de uma tragédia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O julgamento de Dilma Rousseff no Senado Federal não trouxe qualquer novidade em relação ao processo que o antecedeu. Acusação e defesa circularam em torno dos mesmos argumentos, repetindo-se até nos enredos emocionais dos quais se utilizavam para cativar a opinião pública. Essa monotonia de ideias e discursos, entretanto, traz em si a chave para a compreensão da dinâmica que levou ao afastamento de Dilma da vida pública.
Tanto Dilma quanto seus apoiadores, fizeram uso da palavra com vários objetivos, exceto a busca pela conciliação com seus adversários. A retórica petista buscou levantar o apoio da opinião pública, atrair movimentos sociais para as ruas, apresentar os avanços sociais realizados pelas administrações petistas e, de sua forma peculiar, defender-se das acusações que embasavam o processo de impeachment. Porém, não se registrou iniciativa voltada para cativar os senadores a votar pela continuidade do governo de Dilma Rousseff. O que deveria ser o cerne da estratégia do bloco dilmista, a conquista de apoios em um processo político, foi deixado de lado em favor de uma série de fatores que não influiriam no resultado da votação.
A ideia de Dilma, propondo um plebiscito sobre a continuidade de seu próprio mandato, além de ter sido criticada pela direção nacional do PT, não dava aos senadores qualquer perspectiva de estabilidade a partir da qual esses pudessem planejar o futuro. Assim, afastou apoios ao invés de agrega-los.
O descompasso entre Dilma e o ambiente político está latente há anos: em 2012, na cerimônia de encerramento do maior evento municipalista do país, Dilma reagiu rudemente aos tradicionais pedidos por mais recursos do governo federal, o que motivou uma sonora vaia. Sendo os prefeitos os principais cabos eleitorais do Brasil, Dilma nesse momento ganhou a antipatia de mais de três mil prefeitos, de um total de 5.570 existentes no país.
Outro episódio marcante ocorreu nos anos de 2013 e 2014, quando os deputados federais passaram a externar com força sua insatisfação pelo atraso no pagamento de suas emendas parlamentares pela administração de Dilma. Ponto mais sensível para a carreira dos parlamentares, as emendas são a forma através da qual esses podem determinar a realização de benesses em regiões específicas, geralmente aquelas nas quais se pretende obter boas votações no futuro. A eleição de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados, portanto, foi consequência da antipatia que o legislativo nacional já alimentava contra Dilma.
Citado nominalmente por Dilma como culpado pelo processo de impeachment, Eduardo Cunha foi tudo o que a miopia política da ex-presidente a permitiu ver. Reconstituindo os fatos, é possível supor que o que mais faltou a Dilma em seus anos de poder foi humildade, não só para conciliar interesses políticos divergentes, como também para ouvir seus aliados, conselheiros e amigos mais próximos. Afinal, isolamento e solidão, sejam eles pessoais ou políticos, não acontecem repentinamente e nem por acaso.

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