segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A arte de vender vento: o PMDB sendo PMDB

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 11/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O encerramento do processo de impeachment de Dilma Rousseff deixou no ar uma sensação estranha: o fracionamento da votação final, entre a cassação do mandato presidencial e a inabilitação de Dilma para ocupar cargos públicos, foi a grande surpresa da sessão de 31 de agosto do Senado, à qual se acresceu a vitória da ex-presidente no segundo pleito. Esse episódio, que promete gerar consequências pelos próximos meses, é ilustrativo para evidenciar a natureza mais intrínseca da política.
Responsável por tornar possível a vida em conjunto, a política é obrigatória sempre que se pretende tomar uma decisão; afinal, como espécie, evitamos viver sozinhos e, ao mesmo tempo, não temos condições de subjugar os demais à nossa vontade. Humanos estão envolvidos na política desde a infância: demandam, argumentam, escolhem, exigem, cedem e, em algum momento, aceitam os termos de um acordo final. Assim, os acontecimentos aparentemente corriqueiros do dia a dia são fruto de milhões de negociações e decisões que são políticas em forma e conteúdo.
As habilidades requeridas pela prática da política são, dessa forma, instrumentos básicos para a existência humana. Quem não as aperfeiçoa, mesmo que dotado de boas intenções e motivações altruísticas, perecerá, sendo subjugado pelos mais hábeis na tarefa de conquistar o apoio dos demais. Esse fato, simples porém muitas vezes cruel, vem sendo pouco lembrado no Brasil.
Na política brasileira, o PMDB encarna perfeitamente a eficiência em vencer o jogo da política, e nada mais do que isso. Estatísticas sobre a hegemonia do PMDB desde a redemocratização de 1985 não cessam de ser divulgadas pela imprensa, surpreendendo aos muitos que ainda não haviam se dado conta de que esse silencioso reinado existia. O poder do PMDB advém, portanto, de sua simples capacidade de fazer política: oferece condições para que os diferentes governos viabilizem os mais tortuosos trâmites no Legislativo, um apoio praticamente irrecusável.
Um pouco dessa espantosa capacidade de articulação do PMDB veio à tona exatamente no episódio do fracionamento da votação do Senado em 31 de agosto: essa proposta criou um “ativo” político onde nada antes existia, e de repente, deu ao PMDB algo a ser oferecido a Dilma em seu momento de ocaso. O partido pintado como traidor pelos defensores da ex-presidente, com um rápido jogo de mãos, logrou se redimir parcialmente junto aos petistas que ainda lutavam pelo mandato da companheira.
A manutenção dos direitos políticos de Dilma Rousseff vem sendo brandida como uma vitória moral da ex-presidente, além de sinal de vacilação dos partidários do impeachment em relação à justeza da causa que apoiavam. O julgamento sobre a validade do fracionamento da votação no Senado, que terá início no STF, servirá para manter à tona o assunto da cassação de Dilma por mais alguns meses, prolongando a dúvida sobre o “pecado original” que marca o início do Governo Temer. O PMDB, afinal, não negou sua natureza: “vendeu vento”, e mais uma vez fez lucro.

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