por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Berlim,
capital da Alemanha, é tida por muitos hoje como a mais vibrante cidade do
mundo. De fato, dados recentes sobre a Alemanha são impressionantes, e Berlim
parece sumarizar tudo isso: crescimento econômico ininterrupto, contas públicas
equilibradas, continuidade entre as nações mais ricas da terra, políticas
sociais que garantem o bem-estar da população e, contrapondo-se ao resto do
mundo, houve a absorção e integração de mais de um milhão de refugiados apenas
em 2015.
Mesmo
assim, um rápido passeio que vá além dos roteiros turísticos de Berlim permite
que se perceba algo curioso: a cidade mais superlativa do mundo vive uma onda
de nostalgia pelo período em que existia a República Democrática Alemã, país de
regime unipartidário comunista, vinculado diretamente à União Soviética, que
existiu formalmente entre os anos de 1949 e 1990.
O
Estado comunista alemão é tema de um museu permanente em Berlim, além de ter
seu cotidiano como inspiração para uma exposição temática em outro centro
cultural. Filmes recentes sobre o finado regime fogem do lugar comum de
retratar a opressão política para focar sobre histórias pessoais com nítido
toque de saudosismo. Esse movimento pode ser explicado parcialmente por
questões geracionais, uma vez que as últimas pessoas com lembranças claras da
vida na Alemanha Oriental chegam agora ao poder. Porém, mais curioso é perceber
que a Alemanha Oriental foi governada por uma das mais opressivas ditaduras das
quais se teve registro. Por exemplo, o serviço de inteligência mantinha até
mesmo um departamento dedicado à análise do lixo das pessoas, como forma de
exercer vigilância sobre toda a sociedade.
O
Brasil também tem considerável apego à ditadura militar que durou de 1964 a
1985. Caso mais intenso que o alemão, por aqui até mesmo aqueles nascidos após
o fim do regime suspiram saudades por ele, como se percebe pelas sucessivas
gerações que lotam os shows de Chico Buarque, na esperança de que seus versos
anasalados, símbolos da oposição à ditadura, os façam viajar no tempo.
O
ponto principal das ditaduras do passado é que essas compõem um assunto cuja
discussão permite a todos estar certos, de acordo com determinado ponto de
vista. No Brasil, os saudosos da ditadura destacam o crescimento da economia e
as obras de infraestrutura, deixando de lado a enorme conta legada para a
população na década seguinte.
Já
a esquerda tem saudades infinitas de quando combater a ditadura era a única atitude
correta que se poderia ter. Dilma Rousseff, por exemplo, recorda esse período sempre
que fala, convenientemente sonegando o fato de que pretendia apenas substituir
uma ditadura por outra, de viés comunista.
Perceber
a centralidade que a ditadura ainda ocupa na vida política e social do Brasil
indica o quanto nosso debate coletivo está defasado. As manifestações
gigantescas de 2013 e 2015 demandam o futuro, enquanto as diferentes lideranças
políticas permanecem voltadas para o passado, ao som de acordes que se repetem
como um disco arranhado.
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