domingo, 4 de dezembro de 2016

A PEC 55 e seus filhotes: uma questão federativa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A reunião entre 23 governadores e Michel Temer, realizada recentemente em Brasília, resultou na celebração de um acordo preliminar de ajuda aos estados, que vivem situação fiscal desesperadora. Esse evento, entretanto, traz poucos motivos para alívio: por mais que sejam transferidos recursos para o pagamento dos servidores públicos estaduais, uma análise federativa indica que os vícios mais antigos da federação brasileira permanecem intactos.
Sendo um país de proporções continentais e farto em diversidades, o Brasil se encaixa como um caso típico no qual os mecanismos federativos muito têm a contribuir: combina a autonomia dos governos estaduais para tomar decisões adequadas às suas respectivas realidades, com a força de um governo nacional. Ocorre que, historicamente, equilibrar todas essas partes em um mesmo acordo tem sido difícil.
Pesquisadores apontam o federalismo mais como uma prática de negociação constante do que como uma fórmula institucional específica. No caso brasileiro, entretanto, temos negociações realizadas de forma bastante desigual: cabe à União mais da metade do total arrecadado no país, já descontadas as transferências obrigatórias a estados e municípios. Trata-se de um enorme volume de recursos, disponível para as ações do governo federal. Já os 5.570 prefeitos e 27 governadores dividem entre si a outra metade da riqueza arrecadada por impostos, dispersando os recursos entre tantos governos que pouco sobra para o atendimento das necessidades próprias de cada região.
Não custa lembrar que, pela Constituição de 1988, cabem aos estados a prestação das políticas públicas que mais demandam mão de obra, como a segurança pública e boa parte da educação básica. Assim, a tradicional acusação de que os estados empregam servidores em demasia, mesmo que faça sentido, parte de uma estrutura desfavorável aos governadores.
A União, portanto, reafirma seu poder em momentos como o atual: oferece auxílio fiscal, devidamente condicionado à obediência das diretrizes federais de corte de gastos, quando os estados atingem suas recorrentes bancarrotas. Assim, governadores petistas que perfilaram com Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, como o aguerrido piauiense Wellington Dias e o sutil Fernando Pimentel, agora aderem às condições oferecidas por Temer para obter um naco das receitas federais. Comprometem-se, portanto, a reproduzir em seus estados a mesma lógica do teto fixo nos gastos públicos que, proposta por Temer para o governo federal, motivou entre outros protestos a ocupação de milhares de escolas em todo o país.
A configuração do cenário político nacional, portanto, tende a melhorar para Temer de agora em diante, já que a maioria dos governadores vai dividir com o presidente a impopularidade pelos cortes e congelamento de gastos. Temer esvazia a principal crítica da oposição, pois essa passa em larga medida a reproduzir as mesmas propostas impopulares do presidente: a PEC 55 se reproduz antes de completar sua tramitação no Senado.

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