quarta-feira, 27 de maio de 2015

O "ouro de tolo" da reforma política

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/05/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Foi aprovada recentemente, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, proposta que visa implantar o voto distrital para as eleições municipais de 2016. É quase unânime, na opinião pública, o alívio gerado por essa medida. Entretanto, é preciso destacar que o sistema de voto distrital, apesar de comum pelo mundo, traz efeitos colaterais capazes de gerar distorções na representação popular, assim como na própria ação do Estado ao ofertar políticas públicas. Dessa forma, é importante discutir o instrumento do voto distrital com maior profundidade, já que não há mudança que, por definição, seja boa.
A principal justificativa para adoção do voto distrital refere-se à maior aproximação entre cidadãos e seus representantes. Uma vez que o distrito eleitoral corresponde a um grupo de eleitores de fixo e localização geográfica precisa, é permitido a cada partido lançar apenas um candidato ao Legislativo em cada distrito, emergindo dessa disputa um representante eleito por área do município. As campanhas eleitorais, portanto, são feitas a partir do contato pessoal entre eleitores e candidatos, reduzindo custos e criando fortes vínculos entre os eleitos e seu público.
Porém, há desvantagens que são pouco divulgadas no Brasil, mas vivamente debatidas nos países que adotam essa fórmula. A mais evidente armadilha é a distorção da vontade popular: na medida que um mesmo partido conquiste maiorias apertadas em vários distritos, obtendo as respectivas vagas no Legislativo, fica sem voz o grande grupo de eleitores que apoiou os candidatos derrotados em cada distrito. Considerando a soma geral das urnas do município, é provável que um percentual significativo de eleitores resulte excluído do sistema representativo, o que ameaça a legitimidade das instituições democráticas como um todo. Pela regra atual, que valoriza a proporcionalidade, todas as correntes de pensamento de porte significativo acabam representadas no Legislativo, já que os candidatos são livres para reunir o apoio de eleitores que, mesmo dispersos por um grande território, são simpáticos às suas propostas.
Os efeitos sobre a ação do Poder Público também podem ser drásticos: uma câmara de vereadores focada exclusivamente na representação territorial tende a estabelecer uma disputa estrutural entre os bairros da cidade. Como as lideranças do Executivo e do Legislativo dependem da obtenção de votos para se manterem no poder, seria ingênuo esperar que os agentes políticos deixem de dar atenção especial aos distritos eleitorais nos quais tenham interesse particular, para atender às reais necessidades sociais da população.

No limite, a ótica particularista criada pelo voto distrital já produziu legislações altamente segregadoras, como em partes dos EUA, nas quais a arrecadação fiscal de um distrito fica vinculada ao emprego exclusivo nessa área. A adoção do voto distrital no Brasil, assim, brilha como “ouro de tolo”: agrada apenas aos mais ávidos, que buscam mudanças apenas para sentir o sabor de novidade.

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