(publicado na edição de 17/05/20 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
A
votação da medida provisória que restringe o acesso dos trabalhadores ao seguro
desemprego, indispensável para manter mais recursos nos cofres do governo de
Dilma Rousseff e viabilizar seu ajuste fiscal, trouxe à tona sinal importante da
conjuntura política atual: o distanciamento que cresce entre a presidente e seu
partido, marcado pela resistência da bancada petista em votar favoravelmente ao
governo. Fato constante nos bastidores desde o primeiro mandato de Dilma, essa
discordância tem ficado explícita à medida que declina a popularidade do
governo. Assim, compreender essa dinâmica permite avaliar a capacidade do atual
governo se sustentar no poder e viabilizar seus projetos.
Apesar
de seu passado junto à esquerda militante, Dilma Rousseff apenas se filiou ao
PT em 2001: foi no PDT gaúcho que a atual presidente trilhou a maior parte de
sua carreira na política democrática. Apontada como sucessora de Lula ao longo
de 2009, Dilma motivou resistência de correntes ideológicas internas ao PT, que
apenas foram contidas por seu sucesso eleitoral. Agora que os baixos níveis de
popularidade da presidente se somam a sucessivos escândalos de corrupção para
alimentar pedidos de impeachment cada vez mais concretos, os antigos
antagonismos voltam à tona.
Outra
perspectiva interessante está relacionada ao posicionamento pessoal do
ex-presidente Lula: fiador de Dilma por toda sua trajetória eleitoral, ele tem
sua imagem pública fortemente vinculada à da atual mandatária. Caso queira
voltar ao poder, Lula vai depender do desempenho de Dilma não só como gestora
da máquina federal, mas principalmente como figura popular. Se não puder contar
com esse apoio da presidente, mais útil seria a Lula se desvencilhar do legado
desgastado de Dilma, seguindo a correnteza daqueles que se arrependeram do
apoio emprestado a ela em 2014. Esse caminho já vem sendo explorado por Lula de
forma experimental, o que se percebe pelas críticas esporádicas que o líder
maior do petismo direciona ao atual governo. Testando a reação do público e do
meio político, Lula avalia os possíveis efeitos de abandonar sua principal
discípula; pode estar, também, avaliando apenas o momento mais adequado para
concretizar tal ruptura, seguindo o calendário eleitoral.
Por
paradoxal que pareça, um afastamento de grandes grupos do PT em relação ao
governo se mostra como um cenário cada vez mais racional: permitiria ao partido
manter cargos junto ao poder, ao mesmo tempo em que recuperaria seu discurso confortável
e histórico de oposição. Comportando-se como um aprendiz do PMDB, o PT poderia
então sustentar diferentes posições ao mesmo tempo, em uma pragmática
estratégia para vencer em qualquer cenário.
Ao
mesmo tempo em que abre perspectivas de vitória ao PT, essa estratégia cria uma
terrível ameaça à governabilidade do governo Dilma. Se concretizada, será uma
boa oportunidade para expor as reais fidelidades dos principais caciques
petistas: se vinculadas ao benefício do país, ou apenas à manutenção do poder.
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