segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O poder e seus limites

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/12/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Uma das mais agudas rivalidades da política brasileira atual, entre o deputado Jair Bolsonaro e a ministra Maria do Rosário, voltou a ocupar as manchetes que encerram o noticiário político do ano de 2014. O parlamentar carioca tem sua conduta investigada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por proferir um comentário de lógica tortuosa, envolvendo a ministra gaúcha e o estupro como forma de punição. Diferente de outras vezes em que Bolsonaro e Rosário trocaram farpas, o entrevero atual envolve questões que vão além dos valores pessoais e políticos dos protagonistas da cena: trata-se do próprio parlamento brasileiro, posto em cheque na sua condição de espaço de livre representação do pensamento.
Ao longo da legislatura que se encerra, foram travadas batalhas na Câmara dos Deputados em torno de temas como família, sexualidade, religiosidade e direitos das minorias: por agressivos que se mostrassem os envolvidos, esses se batiam por valores fundamentais para a sustentação da visão de mundo dos grupos sociais por eles representados. Nada mais legítimo, portanto, que a Câmara seja palco da disputa entre diferentes estilos de vida, exemplos da diversidade da sociedade brasileira, devidamente representada. A democracia brasileira cresceu a partir desses conflitos: é sintomático, portanto, que todos os parlamentares envolvidos nos debates polêmicos do último quadriênio tiveram suas votações ampliadas no pleito de 2014, sejam esses integrantes da bancada religiosa, defensores dos direitos das minorias ou, como o próprio Bolsonaro, adeptos de medidas enérgicas no combate à violência urbana. O sinal, assim, foi bastante claro, indicando a aprovação do eleitor pela forma como seus interesses vêm sendo representados diante do Estado.
Há uma importante questão, entretanto, a ser considerada: os limites da democracia representativa. Em uma democracia plena, a vontade popular desempenha papel central, devendo ser preservada com todo afinco; porém, nem todo desejo popular é lícito e, mesmo representando a vontade da maioria, não deve ser incorporado pelo Estado. Grandes atrocidades da história ocorreram a partir da representação democrática da vontade das maiorias, contando como exemplo maior a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Assim, um dos conceitos mais importantes para a definição de uma democracia não se refere à medida na qual as maiorias são ouvidas, mas sim às condições disponíveis para que as minorias se façam representar e possam garantir uma sobrevivência digna perante a vontade esmagadora da maioria.
O fato de Bolsonaro ter sido o mais votado deputado federal no Estado do Rio de Janeiro não tem, dessa forma, importância alguma: a partir do momento que usa seu mandato para fazer referência a um crime comum, ultrapassa o limite democrático do poder que lhe foi concedido. Os limites institucionais que restringem a liberdade total do deputado são, dessa forma, tão democráticos quanto os mais de 460 mil votos que ele recebeu em outubro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário