terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O princípio do fim

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/01/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Agitado como poucos, o ano de 2014 se encerra com um acontecimento surpreendente no cenário internacional: o anúncio do reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba. Sendo essa uma das bandeiras da política externa de Barack Obama desde sua campanha presidencial de 2008, a aproximação entre os países é mesmo merecedora do destaque que vem recebendo da imprensa mundial. Entretanto, pouco se diz sobre as perspectivas dessa relação que promete, a partir de 2015, retomar a grande intensidade que tinha antes da implantação do regime dos irmãos Castro em Cuba.
Fato que inaugura a trajetória intervencionista dos EUA pelo mundo, a Guerra Hispano-Americana ocorreu em 1898 e foi responsável pela libertação de Cuba do domínio colonial espanhol. Seguiram-se seis décadas de participação direta dos norte-americanos no cenário político cubano: o mar do Caribe se colocava como área de interesse direto da ascendente potência. A implantação do comunismo, nos primeiros anos da década de 1960, representou grande alívio aos cubanos, já que o contexto da Guerra Fria naturalmente afastava seu país da órbita dos EUA. A sombra norte-americana, entretanto, permaneceu sobre Cuba: mais de um milhão de cubanos fugiu para os EUA em busca de liberdade política e melhores condições econômicas.
Evitando a lógica simplista segundo a qual a história tende a se repetir em ciclos, é preciso considerar que os eventos recentes da relação entre EUA e Cuba guardam semelhanças marcantes com o movimento que, no início da década de 1990, levou à queda do comunismo na Europa. Em ambos os momentos, a ineficiência produtiva do sistema de economia planejada pelo Estado funcionou como o maior fator de pressão sobre os governos de esquerda: tanto na Europa como em Cuba, há limites sobre a carestia que se consegue impor sobre a população, ao mesmo tempo em que os governos não conseguem inventar novas formas de geração de riqueza. A adoção de pequenas medidas de liberalização econômica vem sendo implantada em Cuba nos últimos anos, como forma de aliviar as condições de vida da população; já na União Soviética, essas tiveram seu maior símbolo na inauguração da primeira lanchonete da rede norte-americana Mc Donald’s em Moscou, que antecedeu em poucos meses a própria queda do comunismo.
Outra coincidência reside na intermediação do Papa Francisco, primeiro passo da nova relação entre EUA e Cuba: ao final da década de 1970, foi também um Papa o ator decisivo no início da derrocada do comunismo na Polônia, já que João Paulo II incentivou seus compatriotas a não terem medo na sua luta pela liberdade sindical.
Independente das profundas questões ideológicas envolvidas, o fato é que nenhum povo escolhe viver na pobreza e opressão política, produtos clássicos das ditaduras de esquerda. Sempre que concedida algum grau, a liberdade é utilizada pela população como instrumento na busca de mais liberdade. Essa dinâmica ganhará cada vez mais força em Cuba, à medida que se sentir a influência dos EUA no país.

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