terça-feira, 12 de agosto de 2014

Fantasma ideológico

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/08/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O recente episódio opondo o banco Santander à Presidente Dilma Rousseff atraiu as atenções do mercado financeiro, configurando situação que pode afetar o futuro político dessa. O estopim da situação ocorreu quando os clientes especiais desse banco receberam um informe relativo aos riscos que podem decorrer da continuidade do governo petista em 2015. Por envolver bancos e grandes investidores, o caso tocou um dos pontos mais sensíveis à esquerda nacional: a rivalidade quase futebolística entre as classes sociais. Sendo assim, a reação presidencial foi contundente, na forma de uma censura que foi percebida pelo mercado como ameaça.
A visão adotada pelo PT remonta a meados do século XIX, quando Karl Marx publicava seus estudos sobre a expansão do capitalismo inglês. Desde então muito mudou, a começar pela superação da ideia de que os atores da sociedade se comportam de forma mecânica e unidirecional, determinada pela condição econômica de cada um. Um século de pesquisa nas Ciências Sociais prova que não só a variável econômica não é tão central, como também todos são capazes de mudar de comportamento para atingir seus fins.
No capitalismo, investidores buscam lucro e evitam risco, trabalhando para prever obstáculos futuros. Por isso, o temor quanto ao governo de Lula, que sacudiu mercados durante a campanha de 2002, estava fundado no discurso radical que o candidato proferia ao longo dos anos. A promessa de respeito às regras acalmou os ânimos na campanha, e durante os dois mandatos de Lula, o setor bancário brasileiro obteve os maiores lucros de sua história, tornando o petista o governante mais querido pelos banqueiros.
O período de Dilma rompeu essa harmonia, porém os motivos passam longe do suposto boicote dos agentes financeiros ao governo de esquerda. O que fragiliza Dilma é o desempenho da economia: os indicadores de crescimento e inflação batem recordes negativos, trazendo à tona comparações com a década de 1990. Gradualmente, os agentes do mercado vêm adotando postura cautelosa em relação à gestão econômica de Dilma: a diminuição em suas intenções de voto é acompanhada pelo aumento do movimento na bolsa de valores; milhares de investidores coincidem na avaliação de que a economia brasileira tem mais chances de crescer se não for gerenciada pela petista. Os analistas do banco Santander apenas reproduziram um pensamento que é corrente e fundamentado em dados.
A agressiva resposta da presidente causa danos à própria imagem e à sua campanha. Além de demonstrar agressividade em relação a uma instituição privada que tem o compromisso de aconselhar seus clientes, Dilma também mostra descompasso em relação ao que se passa no país: chama pessimistas àqueles que orientam suas expectativas com base nas estatísticas oficiais de desempenho da economia. Há, portanto, muitos fatores que justificam a atual antipatia dos mercados em relação à candidata petista, porém o antagonismo ideológico entre mercados liberais e um governo de esquerda não compõe esse contexto.

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