por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/08/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O
noticiário internacional tem destacado o dilema da Argentina em torno da
cobrança judicial de sua dívida externa por parte de um grupo de credores
baseados nos Estado Unidos. Importante destacar, nesse contexto, que essa
situação é apenas a culminação de processos políticos e econômicos, nos quais a
fragilização internacional da Argentina foi uma constante.
O
atual incidente tem suas origens na crise econômica e política que tomou conta
da Argentina em 2001: incapaz de honrar seus débitos no exterior, o governo
decretou moratória, o que representa o nível mais baixo de credibilidade no
sistema econômico mundial. Diante da possibilidade de prejuízo completo, a
maioria dos credores da Argentina acabou por renegociar seus direitos por
valores em torno de 30% do total que tinham a receber. Entretanto, um grupo de
investidores norte-americanos, detentor de apenas 1% da dívida argentina,
decidiu buscar junto ao Judiciário dos EUA o pagamento do valor integral dos
títulos que tinham em mãos. Em 2012 obtiveram a primeira vitória legal,
confirmada em decisões de 2013 e 2014.
A
situação argentina se tornou catastrófica: não só os pagamentos aos demais
credores foram suspensos, para priorizar os fundos renitentes, como também o
governo se vê diante da possibilidade de ter que rever todas as renegociações já
concluídas, pois há previsão contratual que estende os benefícios concedidos a
um credor para todos os demais. Diante da possibilidade de agravamento da crise
econômica, a presidente Cristina Kirchner cita Gabriel Garcia Marquez em seus pronunciamentos,
ajuda a disseminar a alcunha de “abutres” aos fundos que desafiam seu governo
e, incrivelmente, faz piada a respeito da cláusula contratual de extensão de
benefícios aos credores: chamado “Rufo” por suas iniciais em inglês, esse
instrumento jurídico deve emprestar seu nome ao próximo cachorro da mandatária
platina, que disse ter gostado da sonoridade da palavra.
Alimentando
o estereótipo de caracteriza a cultura política hispano-americana como adepta
do rompante, drama e instabilidade, a Argentina vem há anos evitando adotar
medidas impopulares, empregando paliativos de eficácia duvidosa para gerir a economia.
O governo prefere buscar bodes expiatórios e culpa-los pelos flagelos
nacionais, ao invés de encarar os problemas estruturais que o Brasil solucionou
nos anos 1990. O controle dos gastos públicos, por exemplo, gerou extremo
desgaste político ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, porém hoje é
reconhecido como um dos pilares da estabilidade econômica brasileira.
Quando
chama “abutres” aos fundos que ameaçam a Argentina, Cristina Kirchner acaba por
retratar seu país no mais baixo nível da cadeia alimentar do sistema econômico
mundial. Deixar essa posição de vulnerabilidade requer compromisso político,
trabalho árduo e compreensão de que transparência e previsibilidade são
atitudes muito valorizadas no contexto internacional. Infelizmente, nenhum
desses fatores tenciona surgir ao sul do Rio da Prata.
Caro Paulo, me surpreendi com o teor de seu artigo. Uma vez que foi justamente a adoção irrestrita e intensiva das recomendações do chamado consenso de Washington – cartilha neoliberal, também adotada pelo governo FHC (em menor grau devido às resistências frente às medidas, obviamente, consideradas impopulares e errôneas, de diversos setores da sociedade brasileira). A Argentina, durante a década de 1990 foi tida como exemplo a ser seguido, justamente pelas agências de classificação e bancos de fomento (FMI, BID, etc.) que posteriormente rebaixaram sua classificação de referência aos especuladores de nível mundial. A dolarização de sua economia e a exacerbação da esfera especulativa de acumulação levaram à fuga de capitais produtivos (nacionais e estrangeiros), inclusive com fortes fluxos em direção ao Brasil. O que, obviamente, levou ao sucateamento de seus setores produtivos, bem como de suas instituições políticas de controle. O nome para isso é crise institucional de soberania, claro, relacionada com uma profunda crise econômica que atingiu aos países periféricos do circuito de acumulação global na década de 1990, a qual o Brasil também sentiu seus efeitos. Com isso quero dizer que o default de 2001 representa a consequência do que você chama de enfrentamento de “problemas estruturais” (ao modo neoliberal), que, aliás, não enfrenta as reais questões estruturais de uma nação. De fato, o que aconteceu em 2001 aparentava ser o fundo do poço argentino, contudo, percebe-se que era nada mais do que a ponta do iceberg formado pelo erro de estratégia dos anos 90, repito, ancorada nos ditames do consenso de Washington. Em síntese, os fundos Abutres (que são, de fato, reconhecidos por essa nomenclatura, internacionalmente) foram os mesmos que especularam em favor da Argentina e que atualmente cobram seus dividendos daquilo que era uma tragédia anunciada, devido à falta de fundamentos da cartilha neoliberal (a não ser que, o objetivo sempre fora o de beneficiar a atuação especulativa desses fundos).
ResponderExcluirUm abraço meu camarada!!! Tenho saudades de nossos debates diários!!!
Weslley Cantelmo
Olá Weslley,
ExcluirTudo bom? Não questiono seu comentários, estão corretos. O ponto principal do meu artigo é referente à postura política da Argentina, o que acaba incluindo os anos 1990 também...O hábito de irem seguirem uma bússola mais midiática do que técnica é, na minha opinião, o que os levou a surfar na onda liberal nos anos 1990 e depois, a partir de 2001, a embarcar na retórica nacionalista. No final das contas, isso foi deixando o país cada vez mais vulnerável, até chegarem ao ponto de ser atingidos tão duramente por meia dúzia de especuladores e um magistrado "de província" nos EUA. Eu coloco no mesmo balaio o discurso da Cristina, contra a avidez do capitalismo mundial, e o falatório de Menen, que colocava a Argentina em "relação carnal" com os EUA. Assim, eu coloquei o foco nos "abutres" porque são a bola da vez, e como você bem disse, é uma situação que fica "abaixo do fundo do poço" mesmo. Quanto ao uso do termo "abutres", concordo que esse tenha se popularizado e que seja usado por todo mundo, mas não fica bem que até a presidente fale essa palavra; afinal de contas, o que os abutres comem é carniça, e quando ela reconhece que os fundos são abutres, acaba reconhecendo também que a Argentina "virou carniça". Enfim, pode até ser que eu esteja sendo preciosista nesse ponto, mas acho que foi um indício de como o país está sem rumo.
Por fim, concordo que tínhamos bons debates mesmo, de vez eu quando eu ainda me lembro de alguns; ainda mais nesse período eleitoral.
Um forte abraço,
Paulo