quinta-feira, 31 de julho de 2014

Voto religioso e compromisso democrático

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/07/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, na edição de 03/08/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais - e na edição de 05/05/2014 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais)

Um dos temas mais polêmicos do debate político brasileiro recente é o crescimento do voto de orientação religiosa. Os resultados das urnas, em pleitos recentes, não deixam dúvidas de que se trata de uma característica consolidada do eleitorado nacional, o que explica a existência de uma poderosa bancada no Congresso que reúne representantes de destaque de várias crenças. Sendo o Brasil um estado laico, muitos condenam tal cenário como um retrocesso da democracia nacional, sobretudo quando se discutem temas ligados a tradicionais dogmas religiosos. Esse fenômeno, entretanto, é bem mais complexo do que aparenta ser sob a dicotomia simplista que opõe fiéis a ateus.
Inicialmente, é preciso considerar a questão da representatividade: se o Brasil atravessa um momento de intensificação do fenômeno religioso por grande parte de sua população, e a fé domina cada vez mais o cotidiano popular, faz todo sentido esperar que essa lógica de pensamento gere influência em muitos eleitores na hora do voto. Sendo assim, a eleição de candidatos associados ao universo da fé não é mais do que uma representação dos valores e interesses que vem ganhando espaço na mentalidade do brasileiro médio. A eleição de lideranças religiosas, assim, representa fielmente o novo perfil do povo; querer que a democracia produza outro resultado significa descompromisso com o princípio básico da representatividade ou, pior ainda, o desejo de que a população limite seu comportamento eleitoral aos estereótipos idealizados por algumas doutrinas partidárias.
O amadurecimento da jovem democracia brasileira faz com que, gradualmente, distintos grupos sociais encontrem o caminho da política como maneira de se posicionar de forma mais ativa no âmbito da sociedade. O mesmo caminho foi trilhado pelo novo sindicalismo, a partir do início da década de 1980, quando o PT começou a eleger seus primeiros candidatos. Dessa forma, aceitar o princípio da representatividade, em todos os seus efeitos, significa o reconhecimento da verdadeira face do povo brasileiro na atual conjuntura.
O que vale para o Legislativo, entretanto, não se transfere inteiramente para o Executivo: a essência distinta desses poderes coloca demandas de outra natureza sobre o eleito, exigindo desse a capacidade de gerenciar de forma eficiente e econômica a máquina pública, oferecendo serviços de qualidade a toda a população. Nesse sentido, atributos relacionados a questões espirituais não desempenham qualquer papel significativo nas habilidades de gestão de um candidato, mesmo que esses reflitam fielmente o sentimento de milhões de eleitores. Dessa forma, no âmbito do Poder Executivo, o fenômeno do voto religioso não pode mesmo ser visto com bons olhos, pois é pouco provável que o critério da fé vá selecionar os melhores gestores da intrincada máquina pública.
Percebe-se, assim, não haver argumentos completamente válidos no debate sobre o voto religioso no Brasil. Apenas, a saudável discussão que acompanha o aprofundamento da democracia.

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