quinta-feira, 24 de julho de 2014

Raízes da tragédia em Gaza

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/07/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)


Notícias sobre o conflito na Faixa de Gaza têm atraído as atenções da imprensa mundial, em uma dinâmica que surpreende pela capacidade de se repetir ao longo do tempo. Aproxima-se dos 100 anos o ciclo de violência onde hoje se encontra o Estado de Israel, porém a maneira como a maioria dos especialistas aborda o assunto ainda é superficial: reproduz repetidamente dados históricos. Compreender o Oriente Médio demanda muito mais do que expor os interesses dos EUA na região, assim como as esgrimas jurídicas encenadas na ONU; é preciso compreender o comportamento de Israel, principal ator da região.
A formação do moderno Estado de Israel teve início no fim do século XIX, quando surge na Europa um movimento dedicado a patrocinar a compra de terras e a mudança de famílias judaicas para a região da Palestina. Esse movimento durou décadas, gerando conflitos de baixa intensidade à medida que crescia a população de imigrantes. O fim da Segunda Guerra Mundial, que produziu o maior contingente de refugiados judeus em milhares de anos, gerou a demanda pela formalização desse processo migratório como entidade política autônoma: a criação e manutenção do Estado de Israel se deram pela força, ao longo de quatro décadas de guerras com as nações vizinhas, constituindo fato consumado que os governos da região acabaram por aceitar.
Uma trajetória histórica desse tipo deixa marcas nas populações envolvidas, que se manifestam não apenas em momentos de conflito, mas também no funcionamento do sistema político. Organizado como república parlamentarista, sistema de governo dinâmico no qual gabinetes podem ser destituídos e formados a partir de simples acordos entre bancadas de deputados, Israel tem um legislativo formado por apenas 120 cadeiras. Nesse contexto, o posicionamento de pequenos grupos de parlamentares é capaz de alterar profundamente o jogo das coalizões, dissolvendo o governo da vez. Nesse tipo de cenário, os atores políticos extremistas são favorecidos, pois ganham apoio popular ao apelar para a linguagem violenta que já é familiar a todos, pois garantiu a sobrevivência do país até então. Um governo que arrisca buscar a paz, fazendo as concessões inevitáveis, se equilibra sobre a apreensão de cada deputado, já que cada um concentra poder suficiente para ameaçar esse ímpeto pacifista.
Assim, é importante perceber como pequenos incidentes são capazes de detonar ofensivas militares de grande escala: o assassinato de três adolescentes israelenses em junho passado, que seria tratado como um caso de polícia em circunstâncias normais, deu início à escalada de violência que motivou a atual ação das forças armadas de Israel. O conflito se mantém devido a uma forma de inércia, originada das condições históricas do país em combinação com um sistema político que oferece pouca margem de manobra. Difícil avistar uma mudança nos próximos anos, pois as condições estruturais estão estáveis, porém há esperança quando se tornam transparentes algumas das causas da tragédia de Gaza.

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