segunda-feira, 21 de março de 2016

Tentando entender o PT

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Muitos escândalos atrás, quando a administração federal sob o comando do PT ainda tinha o respeito de aliados e opositores, um pequeno detalhe mudou radicalmente a forma como o partido do governo lidava com a questão do mensalão: a descoberta de que uma pequena parte dos recursos do esquema ilícito era apropriada por José Dirceu. Esse tipo de comportamento era considerado inaceitável, pois rompia com a lógica da esquerda da década de 1960, ainda esposada pelos petistas: crimes cometidos em auxílio a uma causa política são justificados, até mesmo pela criação de um vocabulário próprio, que chama “expropriação” ao tradicional roubo. Como trabalhou em causa própria, Dirceu perdeu o verniz heroico que revestia seus atos perante os companheiros, nunca mais voltando a ser uma figura política relevante.
Essa lógica faria sentido, apesar de incoerente com o Código Penal, se não tivesse sido deturpada no caso Delcídio do Amaral: líder do governo, o senador foi preso ao negociar condições favoráveis à presidente Dilma Rousseff na delação de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Amaral ofereceu seus préstimos para auxiliar Cerveró em uma fuga até a Espanha, país onde supostamente receberia abrigo. Delcídio infringiu a lei por fidelidade ao seu partido e ao governo que apoiava: mesmo assim, depois de preso, foi execrado por ambos, criticado duramente por petistas ilustres e abandonado à própria sorte. Enquanto no cárcere, a única visita que Delcídio recebeu foi de um pequeno grupo de conterrâneos, que prestaram solidariedade. O processo de expulsão dos quadros do PT tramita depressa, assim como aquele que busca cassar o mandato do senador.
Para entender essa incongruência, é preciso aprofundar ainda mais nela, abordando o caso do ex-presidente Lula: informações preliminares do Ministério Público Federal indicam ganho pessoal da ordem de R$ 30 milhões, resultantes do intrincado esquema que envolvia empreiteiras nas fraudes à Petrobras. Portanto, Lula não apenas atuou em benefício de seu partido, mas também do próprio bolso, o que deveria gerar perplexidade e rejeição nas hostes petistas. Pelo contrário, o que se vê é ânimo renovado, que mobiliza desde os fiéis acadêmicos que dão lustros de lógica às ações do PT, até os brutamontes que tentam esfaquear o boneco inflável de Lula vestido como presidiário.

A solução para esse enigma é o próprio Lula, que transformou o PT na extensão institucional de seus próprios desejos e conveniências políticas. O sentimentalismo é intrínseco à forma como a esquerda faz política, não abrindo mão da adoração quase religiosa de algumas figuras: Che Guevara e Fidel Castro reinam absolutos em um rol que tem como novo membro o uruguaio José Mujica. Lula, cuja história pessoal o credencia a participar desse grupo, aproveitou do romantismo petista para se catapultar à condição de mito, a partir da qual decreta os rumos do partido. O PT pode viver muito bem sem Lula; quanto mais cedo for rompido esse cordão umbilical, melhor para todos.

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