(publicado na edição de 20/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Muitos
escândalos atrás, quando a administração federal sob o comando do PT ainda
tinha o respeito de aliados e opositores, um pequeno detalhe mudou radicalmente
a forma como o partido do governo lidava com a questão do mensalão: a
descoberta de que uma pequena parte dos recursos do esquema ilícito era
apropriada por José Dirceu. Esse tipo de comportamento era considerado
inaceitável, pois rompia com a lógica da esquerda da década de 1960, ainda
esposada pelos petistas: crimes cometidos em auxílio a uma causa política são
justificados, até mesmo pela criação de um vocabulário próprio, que chama
“expropriação” ao tradicional roubo. Como trabalhou em causa própria, Dirceu perdeu
o verniz heroico que revestia seus atos perante os companheiros, nunca mais
voltando a ser uma figura política relevante.
Essa
lógica faria sentido, apesar de incoerente com o Código Penal, se não tivesse
sido deturpada no caso Delcídio do Amaral: líder do governo, o senador foi
preso ao negociar condições favoráveis à presidente Dilma Rousseff na delação
de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Amaral ofereceu seus préstimos para
auxiliar Cerveró em uma fuga até a Espanha, país onde supostamente receberia
abrigo. Delcídio infringiu a lei por fidelidade ao seu partido e ao governo que
apoiava: mesmo assim, depois de preso, foi execrado por ambos, criticado
duramente por petistas ilustres e abandonado à própria sorte. Enquanto no
cárcere, a única visita que Delcídio recebeu foi de um pequeno grupo de
conterrâneos, que prestaram solidariedade. O processo de expulsão dos quadros
do PT tramita depressa, assim como aquele que busca cassar o mandato do senador.
Para
entender essa incongruência, é preciso aprofundar ainda mais nela, abordando o caso
do ex-presidente Lula: informações preliminares do Ministério Público Federal
indicam ganho pessoal da ordem de R$ 30 milhões, resultantes do intrincado
esquema que envolvia empreiteiras nas fraudes à Petrobras. Portanto, Lula não
apenas atuou em benefício de seu partido, mas também do próprio bolso, o que
deveria gerar perplexidade e rejeição nas hostes petistas. Pelo contrário, o
que se vê é ânimo renovado, que mobiliza desde os fiéis acadêmicos que dão
lustros de lógica às ações do PT, até os brutamontes que tentam esfaquear o
boneco inflável de Lula vestido como presidiário.
A
solução para esse enigma é o próprio Lula, que transformou o PT na extensão
institucional de seus próprios desejos e conveniências políticas. O
sentimentalismo é intrínseco à forma como a esquerda faz política, não abrindo
mão da adoração quase religiosa de algumas figuras: Che Guevara e Fidel Castro
reinam absolutos em um rol que tem como novo membro o uruguaio José Mujica.
Lula, cuja história pessoal o credencia a participar desse grupo, aproveitou do
romantismo petista para se catapultar à condição de mito, a partir da qual
decreta os rumos do partido. O PT pode viver muito bem sem Lula; quanto mais
cedo for rompido esse cordão umbilical, melhor para todos.
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