quinta-feira, 3 de março de 2016

Eleitores aprendizes e o voto obrigatório

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte - Minas Gerais)

O processo pré-eleitoral em curso nos Estados Unidos vem mobilizando o interesse público em todo o mundo. A origem dessa atenção não se deve apenas ao poder concentrado pelo presidente dos EUA: mesmo se tratando da maior potência militar e econômica do planeta, o que mais chama a atenção em 2016 é a imprevisibilidade do cenário eleitoral. Pesquisas das mais prestigiosas instituições têm sido frustradas durante as eleições primárias para a definição do candidato dos dois maiores partidos.
A complexidade desse cenário tem início no sistema eleitoral norte-americano, marcado por dinâmica de difícil compreensão para quem está habituado à democracia brasileira. O federalismo vigente nos EUA confere muita liberdade aos estados, permitindo que a legislação eleitoral seja de competência estadual. Isso faz com que, tanto a escolha dos candidatos quanto a eleição do próximo presidente, sejam na verdade fruto de um consenso entre os estados, e não simplesmente a soma total dos votos populares. O eleitor participa, diretamente, na definição da vontade específica do estado onde reside, de forma que as decisões de cada estado, quando combinadas, é que compõem o resultado nacional. Outro ponto interessante é a realização de consultas diretas à população para a definição dos candidatos a presidente. O contraste em relação ao Brasil é agudo, pois aqui basta que um punhado de lideranças partidárias concilie seus interesses, para que se tenha o nome definitivo que irá para as urnas.
Essa estrutura institucional, mesmo fazendo sentido do ponto de vista histórico e federativo dos EUA, colabora sempre para tornar mais complexo o processo político nesse país. Porém, o aspecto que mais tem influenciado o cenário de 2016 é mesmo o voto facultativo, outra especificidade da nação ianque. Graças a essa liberdade concedida ao cidadão, de se abster da escolha dos rumos políticos de seu país, é comum que menos da metade da população apta a votar compareça às urnas. Em 2016, entretanto, grandes grupos de não-votantes habituais têm dado sinais de que pretendem participar não só da escolha do próximo presidente, no pleito de novembro, como também das primárias estaduais que definem os candidatos.
Tem sido muito difícil prever o comportamento desses votantes novatos, especialmente porque a principal força que os traz à cena política é o desencanto com a forma tradicional como vem sendo feita a política. Tal desejo por novidades pode, como temem muitos, abrir caminho para o populismo radical de Donald Trump, cujos comícios têm atraído multidões mesmo durante rigoroso inverno. Não por acaso, muitos analistas têm chamado tal grupo de votantes de “eleitores aprendizes”, em alusão ao reality show apresentado por Trump durante 14 temporadas. Diante desse cenário perigoso e imprevisível, convém repensar a oposição feroz e impensada que é feita, aqui no Brasil, em relação ao instituto do voto obrigatório em nossa jovem democracia; afinal, sempre é menos doloroso aprender com o infortúnio alheio.

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