domingo, 8 de fevereiro de 2015

Prioridade sem retorno

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/02/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A recente execução de um cidadão brasileiro na Indonésia, condenado por tráfico internacional de drogas, acendeu polêmicas junto à opinião pública nacional. O debate se concentrou na questão da efetividade da pena de morte, de forma que poucos analisaram o ocorrido sob a perspectiva da política externa.
Os esforços do governo brasileiro para evitar a execução de Marco Archer, que incluíram quatro apelos pessoais da presidente Dilma e uma súplica ao Papa Francisco, vem sendo capitaneados por Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais. Em recente declaração à imprensa, Garcia afirmou que salvar Rodrigo Gularte, o segundo brasileiro no corredor da morte indonésio pelo mesmo crime, passou a ser a “prioridade número um” do governo brasileiro em matéria internacional. É sempre importante ao Brasil marcar no mundo posição contrária à pena de morte; porém, entre a defesa dessa causa e a priorização absoluta de um caso individual há grande diferença.
Tendo como credenciais para o posto que ocupa o fato de ter sido secretário de relações internacionais do PT, Marco Aurélio Garcia teve seu momento de maior destaque em 2007, quando foi flagrado comemorando, com gestos obscenos, a notícia de que não havia culpa do governo de seu partido na queda de um avião em São Paulo, que havia custado 199 vidas. A visão partidarizada que Garcia tem do mundo certamente deve ser a responsável por sua indisposição em relação ao Ministério das Relações Exteriores: trata-se, afinal, de instituição que recruta seus quadros por meio de concurso desde 1918, estando virtualmente imune à atual prática endêmica das nomeações de militantes em cargos comissionados.
A presença de um assessor que atenda à Presidência da República em assuntos internacionais não constitui problema.  Pelo contrário, uma vez que as minúcias da política internacional têm se tornado cada vez mais confusas nos últimos anos.  O problema começa quando se instala uma duplicidade de poder, como parece ser o caso atual. Talvez por isso, o MRE tenha atingido em 2014 uma das menores participações no orçamento federal em todos os tempos, 0,27%, o que tem deixado embaixadas brasileiras no exterior sem energia elétrica e água por falta de pagamento.
A política externa é um campo das políticas públicas cuja dinâmica é mais complexa do que as demais. Porém, não foge à regra de que investimentos devem trazer sempre retorno ao público brasileiro. A burocracia do MRE já mostrou, ao longo dos anos, ser capaz de honrar essa função: hábil e pacificamente, vem vencendo as principais demandas do Brasil desde sua independência. Já a ação ideologizada de Garcia tem produzido, na última década, não mais do que episódios surreais, como o apoio brasileiro à tentativa de volta ao poder de Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras. Frustrado, Zelaya acabou se refugiando na embaixada brasileira nesse país por quatro meses, acuado como o sonho de Garcia unir o Brasil às esquerdas hispano-americanas.

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