por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 15/04/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, do Diário de Teófilo Otoni - Teófilo Otoni, Minas Gerais -, do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais -, na edição de 23/04/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 13/07/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O
Uruguai atraiu a atenção mundial recentemente, quando seu presidente aceitou receber
prisioneiros da base norte-americana de Guantánamo. Primeiro do continente a
aderir à estratégia de Barack Obama para esvaziar o infame campo de detenção,
José Mujica chama a atenção tanto pelo que faz, quanto pelo que representa para
os mais diversos públicos. Merece, assim, uma análise detida quando se aproxima
o final de seu mandato.
Militante
da violenta esquerda uruguaia da década de 1960, Mujica esteve preso por 13
anos, sendo libertado apenas ao final da ditadura que governou o país. Devido a
seu histórico, Mujica despertou desconfianças durante a campanha eleitoral de
2009: se eleito, traria de volta a política radical? Como o Uruguai já vinha
sendo governado por uma inédita coalizão de partidos de esquerda, sem que isso
tivesse produzido turbulência institucional, as ressalvas quanto ao velho
militante não prevaleceram. A confiança depositada em “Pepe” Mujica foi
merecida: a tradicional estabilidade política uruguaia foi mantida, o que torna
o país uma feliz exceção na América Hispânica recente, onde a eleição de governos
de esquerda tem sido sucedida por restrições às liberdades civis.
Mais
do que não frustrar, a administração de Mujica trouxe gratas surpresas ao setor
produtivo, pois o presidente deixou claro ter a percepção de que o socialismo
não é bom gerando riqueza, mas sim a distribuindo. Destaque-se a defesa dos
interesses de seu país na chamada “Guerra das Papeleiras”, evento considerado o
ponto mais baixo das relações entre Uruguai e Argentina. Preterida por uma multinacional
do setor de celulose que desejava investir na região, a Argentina vem adotando
desde 2004 pesadas represálias contra os uruguaios, justificadas por argumentos
ambientais questionáveis. Em seu governo, Mujica não só manteve-se firme diante
das pressões argentinas, como também autorizou uma expansão da empresa estrangeira.
Além
do pragmatismo administrativo, José Mujica atraiu a atenção também por sua
postura pessoal: doa 90% de seu salário, permanece vivendo em sua humilde chácara
e é servido por um veículo de modelo popular, o que lhe rendeu a alcunha de
“presidente mais pobre do mundo”, dada pela imprensa internacional. Inicialmente
rotulado como demagogo, o presidente não tentou obter ganhos políticos a partir
de seu comportamento pessoal. O fato é que Mujica encara o poder como uma
tarefa a ser cumprida, e não como um prêmio a ser saboreado: compartilha essa marca
com alguns dos maiores estadistas, hoje em dia tão raros.
Despido
das camadas de significado que lhe foram atribuídas devido a seu passado
político e à sua figura pessoal, Mujica entra para a história como um líder equilibrado
e pragmático, afastado da dicotomia “esquerda contra direita” que tanto
perturbou o século XX. Indiferente às críticas de ambos os extremos ideológicos,
o presidente uruguaio representou um exemplo de como, na política, as ideias
devem se adaptar ao bem-estar dos homens, e não o contrário.
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