domingo, 9 de março de 2014

Mais médicos: Saúde e federação

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/03/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)

A recente visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, marcada pela inauguração de obras e anúncio de novas verbas brasileiras para a ilha, serviu como prévia de outra polêmica: a deserção de médicos cubanos no Brasil, trazidos no âmbito do programa “Mais Médicos”. Em discurso diante do governo cubano, no poder desde 1959, Dilma agradeceu o envio dos profissionais que já estão no Brasil, e acentuou a possibilidade de ampliação do programa para a inclusão de mais alguns milhares de médicos.
O debate em torno dessa iniciativa tem sido acirrado, com a politização marcante do tema. Argumentos técnicos têm sido manobrados pela dicotomia “governo contra oposição”, o que leva a discussão a girar em torno do apoio do governo petista à ditadura cubana ou, em contraposição, ao alegado descompromisso dos partidos de oposição em relação à população mais carente. Em qualquer dos cenários, o ponto principal do debate é deixado de lado, em favor do enfrentamento estéril direcionado para as eleições de outubro.
Desde 1889 o Brasil se organiza como federação, porém em nenhum momento de sua história democrática o país apresentou tamanha concentração de poder e recursos em sua esfera central de governo. Responsável pela maioria dos impostos cobrados, a União reteve, em 2012, 57% de todos os recursos públicos, enquanto 27 estados ficaram com 25% do total, e 5.570 municípios dividiram entre si os 18% restantes. Esses números são inversamente proporcionais à oferta de serviços que cada ente federado disponibiliza à população.
A área da saúde se destaca, nesse contexto de desequilíbrio: os municípios são os maiores responsáveis pela oferta de serviços aos cidadãos, enquanto os estados devem realizar o investimento estrutural na saúde pública, integrando novos equipamentos e estruturas à rede de atendimento. Assim, os que têm menor acesso aos recursos públicos estão encarregados das funções centrais da saúde pública brasileira, custeando 54% do gasto em saúde realizado no país em 2012. A União, responsável por financiar as despesas correntes desse sistema, o faz através de repasses automáticos, marcados por valores historicamente defasados. O dilema da saúde pública brasileira, assim, é uma questão de cunho federativo: os recursos e as tarefas a serem realizadas não se encontram em equilíbrio.
O programa “Mais Médicos” evidencia e agudiza a desigualdade da federação brasileira, pois ao mesmo tempo que o Governo Federal se nega a distribuir uma fatia maior de recursos aos estados e municípios, utiliza esses valores por conta própria, financiando um programa elaborado unilateralmente. A proximidade do contexto eleitoral deve ser considerada, pois explica a ação não-cooperativa do governo de Dilma Rousseff: ao invés de distribuir riqueza, permitindo um melhor funcionamento do SUS pela potencialização da ação de estados e municípios, faz com que a União absorva todos os méritos, financiando uma iniciativa dissonante dos quase 30 anos de planejamento que marcam a evolução do SUS.

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