segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um futuro sem opinião

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/09/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, um grupo de humor brasileiro que atua na internet produziu, com enorme sucesso, dois vídeos retratando os estereótipos de professores mais comuns no Ensino Médio; somadas, as visualizações de ambos se aproxima da casa dos dez milhões. O sucesso desse quadro ilustra o quão sintonizados estavam seus autores com a mentalidade dos jovens estudantes brasileiros, com o folclore escolar e, indiretamente, com o que acontece nas salas de aula: após apresentar o rigor sádico de uma professora da área de exatas e o desleixo de um docente desmotivado, surge a figura do “professor comunista”, desvelando a culpa eterna dos Estados Unidos e da grande mídia sobre todas as mazelas nacionais. Mesmo caricatos, os personagens compõem um retrato aproximado do dia a dia dos docentes no Brasil que, se por um lado são vítimas da falta de valorização pela sociedade, por outro são autores de certa cota de abusos.
Contra o típico “professor comunista”, o deputado federal Rogério Marinho, do PSDB potiguar, tomou atitude drástica: elaborou o projeto de lei 1.411, que criminaliza a discussão política em sala de aula. O absurdo da proposta começa no fato de que essa busca combater fogo com fogo: assim como o docente-militante, o PL 1.411 também sufoca a capacidade de crítica do aluno, exatamente na hora em que essa deveria ser estimulada. Cada um à sua forma, problema e solução se equivalem por impedir o aluno de pensar sobre a realidade que o cerca.
É importante perceber como surgiu essa armadilha extremista; mais um exemplo de como o Estado desempenha papel dominante sobre a sociedade brasileira. Afinal, incapazes de lidar com a discordância de ideias no campo interpessoal, apelamos ao Estado como regulador de nossas vidas. Segundo o sociólogo José Murilo de Carvalho, a forma como o Estado se fez presente na história brasileira foi, muito frequentemente, apenas como aparato burocrático dissociado de direitos civis ou políticos garantidos à população. Esse papel dominante e centralizador do Estado sobre a vida social brasileira fez surgir o conceito de “estadania”, no lugar da cidadania: a vida do brasileiro é, tradicionalmente, mais sofrida para quem não possui contato, pessoal e privilegiado, com algum integrante do corpo de servidores públicos.
No Uruguai, país com fortes laços históricos em comum com o Brasil, um dilema semelhante vem ocorrendo: os livros didáticos adotados por muitas escolas vêm sendo apontados como politicamente tendenciosos, o que despertou debate a respeito dos critérios existentes para a aprovação oficial desse material. Assim como no Brasil, não demorou a ganharem coro clamores pelo braço forte do Estado: proibindo, fiscalizando e, sobretudo, ocupando o espaço do debate e da construção da autonomia da juventude.
A situação é cruel por encerrar um círculo vicioso: formar gerações conscientes de seu papel e capazes de retirar do Estado o protagonismo sobre a vida social é algo que demanda, justamente, um ambiente escolar que construa autonomia.

Um comentário:

  1. Concordo plenamente com você professor!Fica difícil defender nossa opinião.

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