domingo, 14 de setembro de 2014

Personalismo e representação política

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/09/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Mineiro da cidade do Serro, Teófilo Otoni foi uma das principais lideranças políticas brasileiras do século XIX, desempenhando carreira como parlamentar de oposição que lhe rendeu o respeito e a admiração até de seus adversários. Ausente do conteúdo lecionado nas escolas brasileiras, assim como praticamente tudo relacionado com o período parlamentar monárquico, Otoni deixou lições e exemplos que se mostram cada vez mais atuais: opositor da monarquia e consciente de que estava distante a mudança de regime, o deputado mineiro se comprometeu a ter um comportamento republicano em sua atuação parlamentar, começando em si a mudança que queria para o Brasil. A valorização do Legislativo por Teófilo Otoni contrasta com a situação atual do país, marcada pelo descrédito das instâncias de representação política.
O desprezo do brasileiro pelo parlamento é um fenômeno recente, já que esse poder foi o centro da vida política nacional desde seus primórdios: data de 1532 a realização das primeiras eleições do Brasil, exatamente para a composição de câmaras municipais. Entre 1822 e 1889, vigorou no país o regime parlamentarista, no qual o governante efetivo era parlamentar do partido com a maior bancada. Curiosamente, pouco se fala a esse respeito nas salas de aula brasileiras, o que ajuda a associar erroneamente a imagem da monarquia brasileira à dos reinos autocráticos dos contos de fada. Pelo contrário, a instauração da república concentrou poderes nas mãos de uma figura política, o presidente, que contribuiu para reduzir o papel do parlamento na vida brasileira: destaque-se desde os oito anos nos quais Getúlio Vargas manteve fechado o Congresso Nacional, até os expurgos de oposicionistas realizados pelo regime de 1964. Há também disputas ocorridas em períodos democráticos: a legislação, modificada em 2002, que permitia a edição de infinitas medidas provisórias pelo Executivo, assim como o sistema de compra de votos que marcou o mensalão.
Desse contexto emerge um parlamento desacreditado: o conceito de representatividade popular, pedra de toque da democracia, cedeu espaço na visão do brasileiro para a busca angustiada por líderes extraordinários, supostamente capazes de solucionar sozinhos todos os problemas do país. Como resultado, temos um Legislativo repleto de figuras cujo exotismo exprime o desdém do eleitor pelo poder que, de fato, é aquele que mais tem capacidade de levar o Estado a suprir suas demandas.
A valorização do Legislativo no Brasil é uma necessidade urgente, cuja solução tem início na consciência de cada eleitor: levar a sério a escolha de deputados e senadores, deixando de lado a discussão estéril sobre minúcias do perfil pessoal dos candidatos à Presidência. Para resgatar a representatividade popular perante o Estado, é preciso que o eleitor brasileiro tenha atitude semelhante à que Teófilo Otoni teve, em seu tempo, diante de um outro sistema político adverso: ser parlamentarista em seu comportamento, mesmo vivendo em um regime presidencialista.

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