por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/06/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Em
recente visita ao Oriente Médio, o Papa Francisco deu amostra de por que está
atraindo atenções ao redor do mundo. Simples, carismático e dotado de um
discurso afinado com os tempos modernos, o líder máximo da Igreja Católica
reúne tais qualidades de maneira espontânea. Porém, na viagem em questão, o
sumo pontífice proporcionou a todos uma valiosa lição política. Inicialmente,
Francisco fez a primeira pausa de sua viagem na Jordânia. Como poucos
estadistas, Francisco destacou a generosidade desse país, ao acolher ao longo
de décadas várias levas de refugiados de países vizinhos. Destacando tal
acolhida, o Papa trata não só dos conflitos que expulsaram tantos de seus lares,
como também da carência de apoio mútuo da qual padece a espécie humana.
O
mais importante, entretanto, foi dito ao se encontrar com as lideranças de
Israel e da Autoridade Nacional Palestina. A Mahmud Abbas e a Shimon Peres,
Francisco fez um simples convite: que fossem ao Vaticano para rezar juntos. O
gesto singelo, quanto mais analisado, mais politicamente importante se torna. À
primeira vista, uma autoridade do clero católico convidando um fiel muçulmano e
outro judeu para orações significa uma mensagem de união pela fé, mesmo que os ritos
de cada doutrina possam indicar grandes diferenças entre os três credos.
Subjacente a essa ideia, entretanto, vem a mensagem principal: se a fé é igual,
então todo conflito é apenas político, portanto, solúvel pelos homens. Sendo
assim, não é a religião que nos separa, mas sim o desejo de dominação sobre
territórios, seus habitantes e riquezas.
Por
simples que pareça essa declaração, é preciso destacar que sua obviedade está
cada vez menos evidente no mundo de hoje: rivalidades ditas religiosas são
responsáveis por dezenas de focos de tensão espalhados pelo globo, alimentando
guerras e causando mortes. Na verdade, o discurso religioso não passa de uma
ferramenta de propaganda, empregada por grupos políticos opostos para
arrebanhar mais seguidores.
A
afirmação política de Francisco é tão importante, que pode ser expandida para
outros campos, como o dos conflitos supostamente étnicos: até os dias de hoje,
ainda é comum ver analistas políticos e autoridades se referindo às guerras
civis africanas como “questões tribais”, e assim reafirmando a incapacidade de
africanos de culturas distintas conviverem em uma mesma nação. Na verdade, é o
oposto que ocorre, pois são exatamente os grupos políticos que usam a retórica
da diferença étnica para obter apoio popular. Fosse real essa aversão entre
etnias, qualquer conciliação seria impossível; porém, essas ocorrem com a
frequência própria do jogo político.
Conflitos
e soluções partem de ideias, assim como das opções que essas nos permitem perceber
na realidade. Assumir que as pessoas podem se indispor, de forma profunda e
definitiva, devido a fatores como a religião e a origem étnica, significa
deixar que a guerra se imponha sobre o mundo apenas porque nos recusamos a
refletir sobre conceitos tão simples.
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