terça-feira, 15 de agosto de 2023

A próxima facada

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 15/08/2023 de O Tempo (Belo Horizonte, Minas Gerais)


 

Desde outubro de 2022, muito se especula sobre o futuro de Jair Bolsonaro e de sua influência na política brasileira. Nessa coluna, já foi dito que os caminhos de Bolsonaro e da direita nacional não precisam mais coincidir, já que essa vertente ideológica pode manter sua força defendendo pautas pontuais que fazem mais sentido para o eleitor conservador do que o culto a um indivíduo específico.

Porém, a eminência da prisão de Jair Bolsonaro necessariamente puxa os holofotes sobre o ex-presidente. É um fato novo, que obriga que sejam refeitos muitos cálculos e previsões da política que já pareciam definitivos.

Isso se dá porque, quanto mais Bolsonaro é objeto passivo da ação de outros, mais cresce como símbolo, passando a representar tudo aquilo que se espera dele – assim, ganha progressivamente força e popularidade. Já quando age e fala por conta própria, Bolsonaro se perde em brigas por temas menores, desgastando a si mesmo e perdendo capital político.

Quando Bolsonaro foi atacado à faca, retirando-se da própria campanha, ele se tornou um símbolo, povoando o imaginário de todos que desejavam mudanças drásticas para o país. Calado, Bolsonaro não podia frustrar as expectativas que eram depositadas sobre ele, e o resultado foi sua vitória.

Em contraste com essa dinâmica, temos os episódios nos quais – já presidente – Bolsonaro interagia com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada: sempre com declarações agressivas e polêmicas, ele frustrava continuamente diferentes parcelas da sociedade.

A prisão de Bolsonaro pode ser dada como certa a partir de um cálculo político, e não jurídico. A forma como vêm sendo liberadas para divulgação as informações sobre supostos ilícitos do ex-presidente – de maneira gradual, contínua e com emoção crescente – facilita com que a opinião pública construa sua própria narrativa sobre a culpa de Bolsonaro. Em uma época de informações fartas e compreensão escassa, faz toda diferença que o destino de Bolsonaro seja revelado como em uma novela – aos poucos. Assim, o público já estará familiar com a ideia de prisão do ex-presidente, quando essa efetivamente ocorrer.

Contribui com essa construção de narrativa a libertação, nos últimos dias, de dezenas de envolvidos nos atos de oito de janeiro: suaviza a imagem do Judiciário e dos responsáveis pelo processo em questão. Faz mais sentido entender essa sequência de fatos como uma estratégia de comunicação planejada para construir um determinado contexto político, do que como fruto de mero acaso.

Tendo como certa – até o momento – a prisão de Jair Bolsonaro, é possível supor que ele voltará ao protagonismo na direita. Contido e sem acesso ao discurso, voltará a ser uma folha em branco, na qual diferentes facções da direita escreverão os enredos que acharem mais convenientes – sempre tendo como pano de fundo os valores básicos e justiça e da liberdade. Nessa sequência de discursos passionais, não vai haver lugar para avaliação do mandato ou mesmo para a consideração dos motivos da prisão.

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