por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O embate entre Renan Calheiros e o STF pouco
foi discutido em seus aspectos estratégicos; trazidos à luz, esses indicam um
quadro mais complexo do que o que tem sido veiculado. Calheiros vinha tentando
há tempos reagir às suspeitas que envolvem seu nome: declarou cruzadas contra
os altos salários e um suposto abuso de poder de magistrados e promotores.
Assim, buscava jogar o peso dos poderes Legislativo e Executivo contra as
instituições encarregadas do cumprimento da lei. Renan se colocava como “mais
uma vítima” para atrair o apoio de políticos de todos os matizes: propunha uma
defesa coletiva dos políticos, que fatalmente amenizaria suas pendências
pessoais com a justiça.
Os demais políticos, ressabiados porém
interessados, observavam a queda de braço, que vinha sendo favorável ao
Judiciário e ao Ministério Público. Até mesmo as manifestações do dia 4 de
dezembro, que levaram multidões às ruas, tiveram em Renan Calheiros um de seus
vilões favoritos, além de nítido apoio aos agentes da justiça.
Seguiu-se, entretanto, uma mudança
surpreendente: o ministro do STF Marco Aurélio Mello, provavelmente inspirado
pelo clamor popular, proferiu liminar afastando Calheiros da Presidência do
Senado, em uma decisão tecnicamente contestável. Juridicamente, especula-se desde
a imperícia até a precipitação de Marco Aurélio; já no campo político, a
avaliação foi diferente: o discurso defensivo de Renan Calheiros, apoiado na
ideia de abuso de poder do Judiciário, ganhou ares de consistência. Diante de
todos, lá estava um ministro do STF agindo de maneira espalhafatosa e causando
com isso enorme impacto político e midiático.
Esse cenário, inesperadamente favorável à
argumentação de Renan Calheiros, foi aproveitado por todas as correntes
políticas, que ajudaram de várias formas a sustentar o presidente do Senado em
seu posto, descumprindo ordem do STF. Diante disso, os demais ministros do STF
recuaram, deixando Renan no poder e negligenciando as consequências jurídicas
de sua afronta à liminar. Recusaram, assim, uma árdua batalha entre os poderes
da república, cuja motivação não era consenso e da qual dificilmente sairiam
vencedores. Não por isso o dano à imagem do Judiciário, em todo o país, deixou
de ser grave.
Sob o prisma da estratégia, Marco Aurélio
deixou seus companheiros de corte sem alternativa fácil, ao mesmo tempo que
desenhou para si um cenário do qual só poderia sair bem: caso o STF confirmasse
o afastamento de Calheiros, o magistrado teria a paternidade política do
evento; por outro lado, como de fato ocorreu, a derrubada da liminar deixou
Marco Aurélio como o único a se erguer contra Renan. Nesse contexto, o senador
comportou-se conforme o esperado, buscando sua salvação política a todo custo.
Perfeito do ponto de vista estratégico, Marco
Aurélio só não levou em conta que o surgimento de escândalos políticos
semanais, como tem ocorrido, consumiria rapidamente sua fama justiceira.
Restaram o rancor de seus pares e uma mancha na respeitabilidade do Judiciário.
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