terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Marco Aurélio Mello: O outro vilão

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O embate entre Renan Calheiros e o STF pouco foi discutido em seus aspectos estratégicos; trazidos à luz, esses indicam um quadro mais complexo do que o que tem sido veiculado. Calheiros vinha tentando há tempos reagir às suspeitas que envolvem seu nome: declarou cruzadas contra os altos salários e um suposto abuso de poder de magistrados e promotores. Assim, buscava jogar o peso dos poderes Legislativo e Executivo contra as instituições encarregadas do cumprimento da lei. Renan se colocava como “mais uma vítima” para atrair o apoio de políticos de todos os matizes: propunha uma defesa coletiva dos políticos, que fatalmente amenizaria suas pendências pessoais com a justiça.
Os demais políticos, ressabiados porém interessados, observavam a queda de braço, que vinha sendo favorável ao Judiciário e ao Ministério Público. Até mesmo as manifestações do dia 4 de dezembro, que levaram multidões às ruas, tiveram em Renan Calheiros um de seus vilões favoritos, além de nítido apoio aos agentes da justiça.
Seguiu-se, entretanto, uma mudança surpreendente: o ministro do STF Marco Aurélio Mello, provavelmente inspirado pelo clamor popular, proferiu liminar afastando Calheiros da Presidência do Senado, em uma decisão tecnicamente contestável. Juridicamente, especula-se desde a imperícia até a precipitação de Marco Aurélio; já no campo político, a avaliação foi diferente: o discurso defensivo de Renan Calheiros, apoiado na ideia de abuso de poder do Judiciário, ganhou ares de consistência. Diante de todos, lá estava um ministro do STF agindo de maneira espalhafatosa e causando com isso enorme impacto político e midiático.
Esse cenário, inesperadamente favorável à argumentação de Renan Calheiros, foi aproveitado por todas as correntes políticas, que ajudaram de várias formas a sustentar o presidente do Senado em seu posto, descumprindo ordem do STF. Diante disso, os demais ministros do STF recuaram, deixando Renan no poder e negligenciando as consequências jurídicas de sua afronta à liminar. Recusaram, assim, uma árdua batalha entre os poderes da república, cuja motivação não era consenso e da qual dificilmente sairiam vencedores. Não por isso o dano à imagem do Judiciário, em todo o país, deixou de ser grave.
Sob o prisma da estratégia, Marco Aurélio deixou seus companheiros de corte sem alternativa fácil, ao mesmo tempo que desenhou para si um cenário do qual só poderia sair bem: caso o STF confirmasse o afastamento de Calheiros, o magistrado teria a paternidade política do evento; por outro lado, como de fato ocorreu, a derrubada da liminar deixou Marco Aurélio como o único a se erguer contra Renan. Nesse contexto, o senador comportou-se conforme o esperado, buscando sua salvação política a todo custo.
Perfeito do ponto de vista estratégico, Marco Aurélio só não levou em conta que o surgimento de escândalos políticos semanais, como tem ocorrido, consumiria rapidamente sua fama justiceira. Restaram o rancor de seus pares e uma mancha na respeitabilidade do Judiciário.

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